segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

Homem e mulher os criou

Homem e mulher os criou

Texto básico: 1 Coríntios 12.14-26

Introdução

Apesar de haver diferenças óbvias entre homem e mulher, devemos reconhecer o ensino bíblico de que ambos são criados à imagem de Deus. Nesta primeira lição, abordaremos o que os une, isto é, o que torna homens e mulheres semelhantes. Nas próximas lições abordaremos o que os diferencia, para reconhecermos a sabedoria do nosso Deus na criação da sua obra prima: o ser humano (Sl 8.5).

I. Imagem e semelhança

O que significa ser imagem e semelhança de Deus? Apesar da complexidade desse tema, e também de suas várias nuances, podemos tratar resumidamente seus aspectos mais importantes.
Primeiramente destacamos que ser imagem e semelhança de Deus nos torna diferente de toda a sua criação. Enquanto realizava a obra da criação, Deus ordenava (haja) e tudo se realizava (houve) de modo consequente. No entanto, o relato da criação do homem apresenta uma característica especial pelo fato de Deus ter dito “façamos” (Gn 1.26). Como essa expressão não é usada para nenhuma outra criatura, ela torna o homem uma “classe especial” da criação (cf. Criados à imagem de Deus, de Anthony Hoekema, Cultura Cristã). Além disso, o pronome “nós” mostra a ideia de pluralidade de Pessoas, o que pode ser uma referência à Trindade, que fica mais clara na progressividade da revelação. A ideia é que Deus entrou em “conselho divino” como se, depois de ter criado todo o universo, houvesse um acordo entre as pessoas da Trindade para que fosse criada sua obra-prima – o ser humano (cf. Commentary on the first book of Moses called Genesis, João Calvino).
O capítulo 2 do livro de Gênesis, em que Moisés detalha como o Senhor Deus criou o homem e a mulher, e o propósito para o qual foram criados (Gn 2.15-18), também evidencia que somos privilegiados.
Essa verdade nos afasta muito do conceito que o mundo quer impor a respeito de quem o ser humano é. De acordo com o pensamento vigente, o homem é simplesmente um “animal racional” (Homo sapiens), ou seja, ele não é tão diferente assim dos outros animais, sendo na verdade a obra mais sublime da evolução – que é despropositada e aleatória. Porque o homem compartilha esse passado com os outros seres viventes, e porque, segundo esse pensamento, seu comportamento hoje reflete muito esse processo, não há base alguma para nortear suas ações morais. Nesse sentido, não poderíamos nos queixar de nenhum comportamento antiético ou amoral.
Contudo, quando afirmamos a verdade de que fomos criados por Deus de maneira diferenciada e somos imagem e semelhança dele, temos obrigação de refletir seus atributos, tais como o amor, a misericórdia, a compaixão e a justiça, entre outros. O relato da criação sustenta uma vida sociável e possível; a teoria da evolução, não.
Em segundo lugar, devemos observar que todos os homens são imagem e semelhança de Deus. Isso significa que essa característica não se perde e nem é retirada de nós. Nem mesmo o pecado, com todas as suas consequências devastadoras, nos privou dessa bênção.
Ao tratar da inconsistência do uso da língua, a Escritura nos ensina: “Com ela, bendizemos ao Senhor e Pai; também, com ela, amaldiçoamos os homens, feitos à semelhança de Deus” (Tg 3.9). De alguma maneira – mesmo que distorcida – todos os homens e mulheres refletem a Deus. Essa verdade traz outro conceito pouco lembrado: homem e mulher, juntos, são a imagem de Deus (cf. Anthony Hoekema). Assim, o gênero masculino, sozinho, não pode ser considerado a totalidade da imagem do Criador, pois ela é refletida ao mesmo tempo no homem e na mulher, juntos. A racionalidade e a lógica, a paternidade e a virilidade remetem a Deus. Igualmente, porém, o cuidado, o carinho e o amor materno que são dispensados aos filhos, por exemplo.
Para Hoekema, “homem e mulher só podem ser imagem de Deus por meio da comunhão de um com o outro – comunhão essa que é uma analogia da comunhão de Deus com ele mesmo […] A comunhão humana, como entre homem e mulher, reflete ou espelha a comunhão entre Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo.

II . Máxima intimidade

Diante do paradigma exposto, podemos concluir que o ato sexual entre um homem e uma mulher é a expressão máxima de intimidade em nossos relacionamentos. Quando Deus nos criou à sua imagem e semelhança, legou-nos uma tripla relação: com ele mesmo, com o próximo, e com a natureza. É interessante perceber que o relacionamento conjugal e sexual entre homem e mulher é chamado nas Escrituras de “tornar-se uma só carne” (Gn 2.24; Mt 19.6; 1Co 6.16; Ef 5.31).
Essa frase, apesar de conhecida, tem sido pouco explorada. Embora ela carregue a ideia do ato sexual em si, dos envolvimentos espirituais e emocionais e também a geração dos filhos, seu significado é muito maior e mais amplo. Na verdade, “tornar-se uma só carne” é uma referência ao que Adão disse quando Deus entregou-lhe Eva: “Esta, afinal, é osso dos meus ossos e carne da minha carne; chamar-se-á varoa, porquanto do varão foi tomada” (Gn 2.23). Isso nos mostra que o casamento cria um parentesco entre homem e mulher similar ao que existe entre irmãos. Eles se tornam tão próximos e íntimos que é como se pertencessem à mesma família biológica (Genesis 1-15, Word Biblical Commentary, G. J. Wenham, Word Books).
A nossa cultura tem invertido os papéis no que se refere ao grau de importância de cada relacionamento que o homem tem. Observe, por exemplo, que a maternidade e a paternidade têm sido elevadas a níveis idolátricos. Provavelmente, todos nós já ouvimos que cônjuges podem ir e vir durante a vida, mas os filhos são para sempre. A Bíblia, no entanto, é clara ao enfatizar que, dentre os relacionamentos humanos, o casamento é a união mais íntima que o ser humano pode estabelecer. Os filhos, obviamente, são de extrema importância; eles são a herança de um casal, mas, como flechas nas mãos do guerreiro, são emprestados por Deus ao homem, para que sejam lançados “quando pleitear com os inimigos à porta” (Sl 127.3-5). Quando os filhos se casam, eles deixam a casa dos pais e se tornam, também, uma só carne; quanto aos cônjuges, eles permanecem juntos até que a morte os separe.
Isso nos leva também a um ponto extremamente importante. Na ordem da criação, o sexo deve ser feito dentro do contexto do casamento monogâmico. Isso significa que todos os homens e mulheres deveriam se
relacionar sexualmente somente com uma pessoa (o cônjuge), pelo tempo que o Senhor conservar a vida de ambos.
É aterrador observar que o sexo se tornou algo tão banalizado que, quando cristãos se casam, levam consigo um passado de promiscuidade e a prática de impiedade. Isso tem tornado alguns casamentos instáveis e infelizes. Não poucas uniões têm acabado porque Deus não foi obedecido durante a adolescência e a juventude cristã. A Palavra de Deus revela quão íntimo é o ato sexual e qual é o contexto apropriado para a sua prática.

III . Cristo e a igreja

A intimidade sexual revela, também, o relacionamento entre Cristo e a igreja. A complexidade desse tema é tão grande que a Escritura o chamou de “mistério”. A Carta aos Efésios, ao falar sobre o relacionamento entre marido e mulher, ordena que a mulher seja submissa a seu marido e o marido ame a esposa, como Cristo amou a igreja (Ef 5.22-30). A Carta evoca o texto de Gênesis 2.24 para reafirmar a verdade que os dois, marido e mulher, se tornam uma só carne. O versículo seguinte é, de certo modo, constrangedor: “Grande é este mistério, mas eu me refiro a Cristo e à igreja” (Ef 5.32).
Em alguma medida, a vida íntima, matrimonial, do homem e da mulher reflete o relacionamento entre Cristo e sua igreja. Não é sem razão que, nas Escrituras, a igreja é chamada muitas vezes de “noiva” e o Senhor Jesus, de “noivo” (Is 62.5; Mt 9.15; Jo 3.29; Ap 21.2, 9; 22.17).
A imagem descrita no livro do Apocalipse é belíssima: “Alegremo-nos, exultemos e demos-lhe a glória, porque são chegadas as bodas do Cordeiro, cuja esposa a si mesma já se ataviou” (Ap 19.7). O livro Cântico dos Cânticos de Salomão, igualmente, tem sido entendido como um relato de Deus como esposo de seu povo (Os 2.16-20), assim como do amor, da beleza e da santidade que existem no relacionamento conjugal entre um homem e uma mulher.
Os prazeres sexuais lícitos experimentados no matrimônio são, na realidade, somente um lampejo, uma fagulha, do que experimentaremos quando Cristo voltar e tomar para si a sua igreja. Diante dessa verdade, nossa vida sexual deve refletir esse amor tão santo e belo, pois quando nos tornamos uma só carne, estamos fazendo referência ao ajuntamento de Cristo com a sua amada igreja. Quão grande é esse mistério!

Conclusão

Nesta lição, aprendemos que a Palavra de Deus revela que somos a imagem e semelhança de Deus, contempladas em sua totalidade no casamento entre um homem e uma mulher. As bases para a intimidade sexual entre os seres humanos estão bem estabelecidas e são claras nas Escrituras. Além disso, esse é um relacionamento que se refere, também, ao relacionamento que existe entre Cristo e a igreja, entre Deus e o seu povo.

Socorro em meio à crise

Socorro em meio à crise

Texto base: Juízes 2.1-23

Introdução

A humanidade vive entre crises. De tempos em tempos, alguma crise afeta as nações. Guerras, doenças, falência financeira, etc. Nos últimos dias, por exemplo, vivemos a grande crise econômica que afetou, diretamente, a economia mundial.
As crises trazem, sempre, instabilidade e incerteza. Diante delas, os homens são induzidos a certas decisões que nem sempre são acertadas, porque são tomadas às pressas ou sob nenhuma orientação segura. Além do mais, quando o pecado acende mais gravemente entre os homens, as escolhas são sempre carregadas de impiedade.
O livro de Juízes revela, com clareza, uma época de grande crise em Israel e de crescimento da impiedade. Josué havia morrido e seus sucessores não conheciam o Senhor (Jz 2.10). O crescimento do pecado e da impiedade, portanto, foi inevitável. O povo estava sem direção e quando não há conselho seguro o povo cai. Israel caiu.
Nesta lição, veremos a ação da providência de Deus para livrar Israel da impiedade e do pecado e garantir-lhe a sobrevivência em meio à crise.

I. Sem Deus, os homens perecem

Quando não há conhecimento de Deus, os povos caem. As Escrituras, em muitos lugares, afirmam claramente que na ausência de conhecimento sempre há o aumento do pecado e da impiedade. Esta verdade tem sido demonstrada ao longo da história da humanidade. Quando os homens se esquecem da sabedoria de Deus, eles perecem, pois se entregam aos seus próprios entendimentos e prazeres, atraindo sobre si mesmos a ira de Deus.
O conhecimento de Deus é o fundamento da vida humana. Sobre isso assevera João Calvino: “Em primeiro lugar, ninguém pode olhar para si mesmo sem que, imediatamente, torne seus pensamentos à contemplação de Deus em quem ‘se vive e se move’ (At 17.28)… o conhecimento de nós mesmos não somente nos prende a buscar a Deus, mas também, como se fôssemos conduzidos pela mão a encontrá-lo”.[1]
Para crescer em uma vida reta é necessário conhecer a Deus mediante a sua Palavra revelada, pois a falta do entendimento de Deus e de sua vontade dá liberdade ao coração pecaminoso do homem a agir segundo os seus interesses. Oséias diagnosticou o problema de Israel e sua corrupção apontando para a ignorância da nação: “Ouvi a palavra do Senhor, vós, filhos de Israel, porque o Senhor tem uma contenda com os habitantes da terra, porque nela não há verdade, nem amor, nem conhecimento de Deus… O meu povo está sendo destruído, porque lhe falta o conhecimento. Porque tu, sacerdote, rejeitaste o conhecimento, também eu te rejeitarei, para que não sejas sacerdote diante de mim; visto que te esqueceste da lei do teu Deus, também eu me esquecerei de teus filhos (Os 4.1,6).
Semelhantemente, Malaquias condenou a instrução maligna dada pelos sacerdotes, quando eles, como mestres de Israel é que deveriam promover o puro e límpido conhecimento de Deus: “Porque os lábios do sacerdote devem guardar o conhecimento, e da sua boca devem os homens procurar a instrução, porque ele é mensageiro do Senhor dos Exércitos. Mas vós vos tendes desviado do caminho e, por vossa instrução, tendes feito tropeçar a muitos; violastes a aliança de Levi, diz o Senhor dos Exércitos” (Ml 2.7,8).
Juízes 2 descreve a situação degradante e perniciosa em que viviam os israelitas. O principal ataque à vida espiritual estava no culto a Deus. De fato, sempre que o pecado cresce numa localidade, o primeiro alvo é o culto a Deus. O culto é a expressão da compreensão que o povo tem do seu deus. É possível, então, conhecer um deus a partir do culto que os seus seguidores lhe oferecem. Esse ponto se torna ainda mais perceptível no período dos reis de Israel, quando os reis adoravam ao Senhor e ao mesmo tempo a outros deuses. Essa anomalia teve início com Salomão (1Rs 11.1-8).
Adorar a Deus e a outros deuses é pior do que a adoração somente a outros deuses. O que Salomão fez foi tentar uma aliança entre o Senhor e outros deuses. Tal como ele encontramos o rei Jeú, pois enquanto obedeceu a palavra de Deus para destruir todos os descendentes de Acabe e a Jezabel (2Rs 9.30-10.14), ele também não tinha o coração totalmente devotado ao Senhor, porque se prostrava perante ídolos (2Rs 10.28-31). Desse erro ninguém está isento, portanto devemos manter o nosso coração firmado no Senhor: “Não há entre os deuses semelhante a ti, Senhor; e nada existe que se compare às tuas obras” (Sl 86.8). Assim asseveraram os profetas: “Ninguém há semelhante a ti, ó Senhor; tu és grande, e grande é o poder do teu nome” (Jr 10.6); “Eu sou o Senhor, e não há outro; além de mim não há Deus; eu te cingirei, ainda que não me conheces” (Is 45.5); “Sabereis que estou no meio de Israel e que eu sou o Senhor, vosso Deus, e não há outro; e o meu povo jamais será envergonhado” (Jl 2.27).
O Deus de Israel tinha um culto específico. Ele havia prescrito em detalhes os elementos que deveriam constar em todos os atos do culto. Israel, então, renegou esses princípios e abandonou o seu Deus. Passou a adorar outros deuses, os baalins (Jz 2.11). Os israelitas estavam imersos em conceitos religiosos pagãos e, por esta razão, permitiram a entrada de outros povos e seus respectivos deuses no meio deles (Jz 3).
O apóstolo Paulo, na sua carta aos romanos, afirmou que o desvirtuamento do culto gera o aumento de pecado e impiedade (Rm 1.28-32): “E, por haverem desprezado o conhecimento de Deus, o próprio Deus os entregou a uma disposição mental reprovável, para praticarem coisas inconvenientes” (Rm 1.28). Este é o retrato daqueles que negam o Senhor e andam após outros deuses.
Josué havia dito que os homens seriam infiéis e trariam para si o juízo de Deus (Js 24.16-20), porque eles eram incapazes de servir a Deus e prestar-lhe culto com a devoção e obediência devida.
Entretanto, Deus não permitiu que o seu povo sucumbisse eternamente e providenciou juízes ou libertadores para restaurá-lo em meio à crise.

II. O Senhor levanta homens como instrumentos de salvação

Em cada época da história, Deus levanta seus servos para lutar em prol do seu reino. Não podemos nos esquecer de que a reforma, no sentido de retorno à Palavra de Deus, com arrependimento e fé, sempre existiu na vida da igreja deste a origem do homem. Podemos pensar que a primeira reforma aconteceu no Éden, quando Deus usou sua Palavra para determinar os rumos de Adão e Eva após a queda. Jó, Noé, Abraão e outros patriarcas foram instrumentos de Deus para imprimir na mente da sociedade o verdadeiro sentido da fé no verdadeiro e único Deus. Vemos em 2 Crônicas 34-35 a reforma empreendida por Josias. Era uma situação em que Israel estava cercado por nações que adoravam os deuses dos gentios, deuses da natureza e a idolatria estava entrando em Israel. Em Neemias 8-10, vemos esse servo do Senhor sendo levantado para restaurar o templo e conduzir o povo novamente à adoração. E essa adoração foi feita através do retorno às Escrituras: “Leram no
Livro, na lei de Deus, claramente, dando explicações, de maneira que entendessem o que se lia… tinham entendido as palavras que lhes foram explicadas… Dia após dia leu Esdras no livro da lei de Deus, desde o primeiro até o último…” (Ne 8.8,12,18).
Vemos reformas também no Novo Testamento. Se lermos Atos 2, perceberemos que após o Pentecoste, a igreja do Senhor crescia e: “… perseverava na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações” (At 2.42). A igreja adquiriu um novo estilo de vida, ela foi reformada. A pregação do Novo Testamento é sempre de renovação espiritual, de reforma de mente e de sentimento para a verdadeira adoração ao Senhor (Jo 4.24; Ap 2-3).
Em Juízes, Deus levantou vários servos seus, em meio a diferentes crises de apostasia e idolatria para restaurar a verdadeira adoração e o culto ao Senhor. Veja, no quadro abaixo, a relação de algumas dessas pessoas:
ReferênciaConquistadorDuração Libertador/Juiz
3.1-11
3.12-31
4-5
6, 7 – 8.32
8.33 – 9 – 10.5  
10.6-12
13.1-16.31
Cusã-Risataim
Rei de Mesopotânia
Rei de Moabe e Filisteus  
Jabim, rei de Canaã
Midianitas Guerra Civil
Anonitas
Filisteus
8 anos
18 anos
20 anos
7 anos
18 anos
40 anos
Otniel
Eúde e Sangar
Débora e Baraque
Gideão
Abimeleque, Tola e Jair
Jeftá, Ibzá, Elom e Abdom
Sansão
Deus nunca deixou o povo sem direção. Ao longo da história, ele levantou homens sérios, capacitados para a reforma da adoração. Em nossa época não é diferente, pois em meio às pregações corrompidas de misticismo e superstição, Deus continua a levantar homens leais ao evangelho que pregam a Cristo. Este era o desafio que Paulo enfrentava, mas ele não abria mão do conteúdo de sua pregação. Ainda que ele não se importasse com a forma, ele não negociava o conteúdo: “Todavia, que importa? Uma vez que Cristo, de qualquer modo, está sendo pregado, quer por pretexto, quer por verdade, também com isto me regozijo, sim, sempre me regozijarei” (Fp 1.18).
Os reformadores enfatizaram a singularidade de Cristo para a salvação sob o lema Solus Cristus – somente Cristo – fazendo eco ao apóstolo: “Porque decidi nada saber entre vós, senão a Jesus Cristo e este crucificado” (1Co 2.2).

III. O Senhor é quem estabelece os métodos para chegar à vitória

O apóstolo Paulo disse: “Deus escolheu as cousas humildes do mundo, e as desprezadas, e aquelas que não são, para reduzir a nada as que são; a fim de que ninguém se vanglorie na presença de Deus” (1Co 1.28,29). De fato, pode-se ver uma maneira pouco convencional de Deus agir em algumas situações de guerra.
O livro de Juízes, por exemplo, apresenta algumas dessas maneiras:
  • Uma aguilhada de bois (3.31) – era um instrumento pontiagudo usado para “tocar” a boiada. Era um instrumento perfurante, muito perigoso no manuseio, pois poderia se tornar uma arma fatal.
  • Uma estada de tenda (4.21) – do mesmo modo que a aguilhada era também um instrumento perfurante, feito de madeira e, normalmente, liso e pontiagudo.
  • Tochas (7.20) – utilizadas para incendiar os exércitos inimigos e seus objetos.
  • Uma pedra de moinho (9.53) – utilizada por uma mulher para matar Abimeleque.
  • Uma queixada de jumento (15.15) – utilizada por Sansão para ferir mil homens.
Deus tem os seus gloriosos métodos, porque ele é Senhor da história. Às vezes, queremos acrescentar aos métodos do Senhor nossos próprios e pecamos contra ele, pois, via de regra, sugerimos métodos carnais e que não trarão o resultado esperado. Como Deus é quem sabe todas as coisas, a ele devemos deixar que faça tudo conforme o seu agrado.
Qual é, portanto, o objetivo de Deus ao utilizar métodos tão pouco convencionais? Paulo nos diz que o principal objetivo é desafiar a “sabedoria dos sábios e entendidos”. De modo, de certa forma, irônico, Paulo diz: “Onde está o sábio? Onde, o escriba? Onde, o inquiridor deste século?”, e prescreve: “Destruirei a sabedoria dos sábios e aniquilarei a inteligência dos instruídos” (1Co 1.19,20). Calvino comenta essa passagem da seguinte maneira: “Além do mais, visto que a maneira usual de Deus vingar-se é golpeando de cegueira os que se acham presos a seu próprio entendimento, e são excessivamente sábios a seus próprios olhos, não surpreende que homens carnais se levantem contra Deus, na tentativa de fazer sua verdade eterna dar lugar às suas tolas presunções, tornando-se insensatos e fúteis em seus raciocínios”.
Mais à frente, Calvino considera ridícula toda presunção que se declare autônoma ao conhecimento de Cristo: “Seguese que, qualquer conhecimento que uma pessoa venha a possuir, sem a iluminação do Espírito Santo, está incluído na sabedoria deste mundo… Pois qualquer conhecimento ou entendimento que uma pessoa possua não tem o menor valor se não repousar na verdadeira sabedoria; e não é de mais valor para apreender o ensino do que os olhos de um cego para distinguir as cores. Deve-se prestar cuidadosa atenção a ambas as questões, ou seja: (1) que o conhecimento de todas as ciências não passa de fumaça quando separada da ciência celestial de Cristo; e (2) que o homem, com toda a sua astúcia, é tão estúpido para entender por si mesmo os mistérios de Deus, como um asno é incapaz de entender a harmonia musical”.
O que as Escrituras nos ensinam é que o crente não precisa temer os avanços da ciência, as opiniões da Filosofia, as leituras inclusivistas de nossa época, os pressupostos dos darwinistas, etc. Nada disso pode frustrar a sabedoria divina que é quantitativa e qualitativamente muito além da inteligência humana. O homem pensa, soberba- mente, que pode desafiar a sabedoria divina questionando os pressupostos bíblicos. Porém, Paulo diz: “Porque a loucura de Deus é mais sábia do que os homens; e a fraqueza de Deus é mais forte do que os homens” (1Co 1.25). Além disso: “Não há sabedoria, nem inteligência, nem mesmo conselho contra o Senhor” (Pv 21.30). não pode haver pecado ou perversidade que dure muito tempo: “O homem não se estabelece pela perversidade, mas a raiz dos justos não será removida” (Pv 12.3); “Porque o que vende não tornará a possuir aquilo que vendeu, por mais que viva; porque a profecia contra a multidão não voltará atrás; ninguém fortalece a sua vida com a sua própria iniqüidade” (Ez 7.13).
Portanto, é tolice humana tentar compreender os métodos divinos. Eles não se encaixam no nosso pensamento e em nossos caminhos: “Porque os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos, os meus caminhos, diz o Senhor, porque, assim como os céus são mais altos do que a terra, assim são os meus caminhos mais altos do que os vossos caminhos, e os meus pensamentos, mais altos do que os vossos pensamentos” (Is 55.8,9). Quem pode entender as coisas de Deus (Is 40.12-18)?
Assim, não é preciso temer. Deus estará presente no meio da tribulação, agindo com mão poderosa, afinal: “Deus é o nosso refúgio e fortaleza, socorro bem presente nas tribulações” (Sl 46.1).

Conclusão

Israel viveu um período de escuridão devido à ignorância da Palavra de Deus. A geração nova que se levantou após a geração de Josué não conhecia ao Senhor, porque não foi instruída na lei do Senhor, para temê-lo, amá-lo e obedecê-lo. A consequência imediata a essa falta de entendimento é corrupção, pecado e idolatria. Lamentavelmente, o preço da ignorância é muito alto e, por esse motivo, o povo experimentou o cativeiro e a opressão daqueles povos que eles mesmos deixaram vivendo junto de si. Enquanto eles não cumpriram com a ordenança de Deus para expulsá-los, eles se voltaram contra Israel e os provaram.
Porém, Deus é cheio de graça e bondade e não permitiu que o povo vivesse para sempre nessa situação. Ele escolheu homens e mulheres para lutarem bravamente, na força do próprio Senhor, e libertou várias vezes o seu povo mostrando que estava sempre próximo, ouvindo os seus clamores e atentando à sua deprimente condição.
Deus ouve quando o seu povo clama e atende, trazendo libertação e salvação. Ainda que o Senhor se ire contra o seu povo, ele brevemente manifesta a sua misericórdia.
O verdadeiro servo de Deus sabe que o seu socorro vem do Senhor, que fez o céu e a terra. Ele não dorme nem cochila ao cuidar de seu povo (Sl 121), pois aos seus amados ele concede bênçãos mesmo enquanto eles dormem (Sl 127.2). Por isso, é inútil tentarmos agir por conta própria. É necessário esperar na única esperança (Sl 40.1).

quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

Deus permite?

Deus permite?

Texto básico: Atos 4.23-28

Introdução

Como explicar as ações malignas no mundo? Esta lição, e as próximas, tratarão de uma questão mais complexa: o relacionamento entre Deus, os homens e o mal. Vamos buscar respostas nas Escrituras, sabedores de que aquilo que foi revelado nos pertence, e aquilo que não foi revelado pertence somente ao Senhor (Dt 29.29).

I. Modelos equivocados

A discussão sobre o relacionamento entre Deus e o mal é antiga. Ao longo da História essa discussão foi ganhando corpo e chegou até nós de maneira que podemos colocá-la em “cercas” maiores, sob “guarda-chuvas” mais amplos de posicionamentos. Obviamente os modelos que abordaremos, a seguir, não esgotam a totalidade nem a particularidade de cada um, mas ajudam a categorizar e identificar padrões de pensamento.

A. O mal como privação

Aqueles de tradição arminiana nor¬malmente se alinham a essa ideia. Eles entendem que, pelo fato de Deus ser bom e ter criado tudo de maneira boa e perfeita, a corrupção e a degradação das coisas criadas foram produzidas pelo pecado, que pertence somente às criatu¬ras de Deus, como homens e anjos, por exemplo, e que esses últimos agiram de modo totalmente livre.  Quem pensa assim certamente tenta preservar os textos das Escrituras que en-sinam que o pecado é gerado no coração do homem e Deus é a fonte de todo bem (Tg 1.12-18). Assim, dizem eles, tudo o que é bom procede de Deus e tudo que é mal não procede dele. Essa visão, embora pareça ser boa, pois tenta preservar Deus de ser considerado mau, falha por não reconhecer a sua soberania e o seu plano eterno.  Se Deus realmente fosse somente o agente iniciador e sustentador de coisas boas em sua criação, como ele teria controle sobre as más? Será que ele poderia fazer uma promessa e garantir que ela fosse cumprida? O diabo seria um concorrente de sua vontade? Haveria uma guerra cósmica entre o bem (Deus) e o mal (Satanás)? Não é isso que a Bíblia ensina. A morte de Cristo Jesus na cruz foi o evento mais cruel, injusto e desumano realizado na história do mundo, e ele foi claramente prometido por Deus e cumprido nos seus mínimos detalhes (Is 53.1-12; Lc 22.3-6; Mt 26.20-25,53-54,74-75; 27.9-10; Mc 15.27-28).

B. Permissão divina

Sendo uma derivação do modelo anterior, a ideia de permissão divina tenta explicar, de maneira um pouco mais profunda o relacionamento de Deus com o pecado do que a ideia do mal como privação. Diz Paul Helm: “Mesmo que a privação [do mal] não faça sentido, ela ainda admite o caráter impecável de Deus, em virtude do qual ele não poderia realizar uma ação má; ele não poderia (na frase que se tornou comum) “ser o autor do pecado”. Então como o pecado acontece, se a providência de Deus está no controle de todas as coi¬sas, e ele não pode produzir o pecado? A resposta para isso é a permissão de Deus. Deus permite o pecado” (A Providência de Deus, Editora Cultura Cristã). Podemos entender a permissão divina de duas maneiras: geral e específica. A permissão geral é como se Deus fosse o presidente de uma empresa. Ele sabe tudo o que acontece, direciona os acontecimen¬tos, envolve os funcionários para que sua vontade seja realizada, mas ele não está efetivamente controlando ninguém. Essa visão falha por querer manter a liberdade dos agentes em detrimento da determina¬ção de Deus. A questão é que ela, logica¬mente, também não encaixa e não faz jus ao que ensina a Palavra de Deus. A permissão também pode ser vista de maneira específica, isto é, em uma situa-ção de pecado ou mal, Deus simplesmente permite que ela aconteça porque ele não age para impedi-la. Sendo Todo-Poderoso, Deus poderia evitar que determinado mal fosse praticado, mas não o faz porque tem propósitos (fins) sábios e santos. Talvez alguém pergunte: Permitir o mal não seria tão mal quanto praticá-lo? Se Deus pode evitar que algo aconteça, mas não o faz, sua bondade não estaria comprome¬tida, mesmo que seus fins sejam santos e justos? É por isso, que precisamos de um modelo fundamentado nas Escrituras.

II. Compatibilismo

Na lição anterior aprendemos que o relacionamento entre Deus e o homem se dá de uma maneira a que denominamos de “concursus”. O compatibilismo seria uma aplicação do “concursus”, principalmente no que diz respeito ao relacionamento de Deus com o pecado e com o mal.  O compatibilismo procura manter as verdades da soberania de Deus e da responsabilidade e liberdade do homem juntas, sem prejudicar qualquer um dos pontos. Deus é ampla e exaustivamente soberano, ele dirige e dispõe de tudo e de todos para realizar os seus planos. Quanto aos agentes morais, que são livres e responsáveis, eles realizam o plano eterno de maneira que a culpa pelos seus erros seja só deles porque eles desejaram praticar o mal. As pessoas que não concordam com essa visão dizem que, desse modo, o homem seria somente uma marionete, um robô nas mãos de Deus. Na verdade, essa é mais uma daquelas argumentações sem sentido – já expusemos algumas nas lições anteriores. O fato é que os adversários do compatibilismo precisam levantar espan-talhos para a não aceitação das verdades das Escrituras. Então, vamos relembrar novamente o que a Palavra ensina.

A. A participação de Deus no mal

Na próxima lição abordaremos de maneira específica o “problema do mal”. Por enquanto, vamos relembrar o ensino bíblico de que Deus tem participação na maldade dos homens, embora essa participação seja diferente com relação à bondade que eles praticam. Nós assumimos que Deus está por detrás tanto do bem como do mal, mas de uma maneira que o mal é realizado pelos agentes livres – que desejam realizar o mal –, e o Senhor utiliza a instrumentalidade desses agentes secundários para a realização do seu propósito soberano.  Alguns textos das Escrituras são muito claros a esse respeito: “Sucederá algum mal à cidade, sem que o Senhor o tenha feito?” (Am 3.6b); “Acaso, não procede do Altíssimo tanto o mal como o bem?” (Lm 3.38); “Eu formo a luz e crio as trevas; faço a paz e crio o mal; eu, o Senhor, faço todas estas coisas” (Is 45.7; cf. Sl 105.25; Rm 9.18; Pv 21.1; 2Ts 2.11).

B. A ação do homem no mal

Não é porque Deus determina e utiliza o homem para realizar o seu plano que o homem fica isento dos seus erros. Na realidade, todos os homens agem de forma livre e são responsáveis pelos seus atos, sem compulsão ou coerção; eles realizam o que desejam. Dois exemplos podem ser analisados aqui. O primeiro se refere ao censo realizado pelo rei Davi. O texto começa dizendo, claramente, o que aconteceu: “Tornou a ira do Senhor a acender-se contra os israelitas, e ele incitou a Davi contra eles, dizendo: Vai, levanta o censo de Israel e de Judá” (2Sm 24.1). Por enquanto, diremos que Deus fez isso por meio de Satanás (1Cr 21.1), na próxima lição retomaremos esse assunto.
Embora Deus, soberanamente, de forma direta ou indireta, tenha “incitado” o rei Davi a levantar o censo; o autor da ação foi somente de Davi. Joabe, comandante do exército, ainda tentou demover o rei dessa ideia (2Sm 24.3-4; 1Cr 21.3), pois o censo demonstraria o poder bélico de Davi, tornaria orgulhoso o seu coração e faria com que tanto o povo como o rei confiassem mais nesse último do que no poder do Senhor (1Sm 14.6; Is 31.1). Depois de nove meses o rei recebeu o relatório (2Sm 24.8). Diz a passagem que “Sentiu Davi bater-lhe o coração, depois de haver recenseado o povo, e disse ao Senhor: Muito pequei no que fiz; porém, agora, ó Senhor, peço-te que perdoes a iniquidade do teu servo; porque procedi mui loucamente” (2Sm 24.10). A soberania de Deus estava agindo de forma ativa, mas Davi foi culpado pelo seu pecado; ele reconheceu seu erro e arrependeu-se. Outro texto é Atos 4.23-28. Depois de ouvir o relato dos apóstolos sobre a proibição de pregar o evangelho, a igreja reunida orou adorando ao Senhor e pedindo a ele que lhes concedesse mais intrepidez para pregar a palavra (At 4.29). Mas o que eles afirmam é que os homens maus se ajuntaram contra Jesus. Dentre esses homens, estava Herodes, Pôncio Pilatos, gentios e gente de Israel. Como diz Heber Carlos de Campos:
“Alguns detalhes da traição de Cristo foram até planejados cuidadosamente, como é o caso da ação dos fariseus e membros do Sinédrio. Nenhum deles fez coisa alguma contrária à sua natureza. Eles fizeram tudo o que estava de acordo com as disposições dominantes da alma deles. O prazer deles foi cuspir em Jesus, dar-lhe bofetadas, zombar dele, prendê-lo, açoitá-lo, sentenciá-lo à morte e, por fim, serem instrumentos malignos da sua execução na cruz […] Todas essas coisas foram feitas voluntariamente, sem serem forçados por nada de fora a fazerem o que fizeram. Simplesmente, eles deram ouvidos à sua própria natureza” (A Providência, Editora Cultura Cristã).
Aqueles homens se ajuntaram “… para fazerem tudo o que a tua mão e o teu propósito predeterminaram” (At 4.28). Deus providencialmente não apenas planejou esses acontecimentos, como conduziu esses homens para fazerem tudo isso. Ainda assim, eles são completamente culpados por seu pecado, sua incredulidade e sua maldade.

III. Todas as ações de todos os homens e anjos

Provavelmente, você já compreendeu que a permissão a que nos referimos não é aquela que simplesmente “deixa as cosias acontecerem”, como se Deus não estivesse envolvido no processo. Por isso, a Confissão de Fé de Westminster ensina: “A onipotência, a sabedoria inescrutável e a infinita bondade de Deus, de tal maneira se manifestam em sua providência, que esta se estende até a primeira Queda e a todos os outros pecados dos anjos e dos homens, e isto não por uma mera permissão, mas por uma permissão tal que, para os seus próprios e santos desígnios, sábia e poderosamente os limita, e regula, e governa em uma múltipla dispensação, mas essa permissão é tal, que a pecaminosidade dessas transgressões procede tão somente da criatura e não de Deus, que, sendo santíssimo e justíssimo, não pode ser o autor do pecado nem pode aprová-lo” (V.IV). Para fins didáticos, dividimos o compatibilismo da seguinte maneira: atos bons dos homens bons, atos bons dos homens maus, atos maus dos homens bons e atos maus dos homens maus. Observe o quadro a seguir:
Atos bons dos homens bons: Fp 2.13; Jo 8.32,34,36; Gl 5.13; 1Pe 2.16; 2Co 7.1
Atos bons dos homens maus: Is 44.24-26;45.1-7; 2Tm 1.16-18
Atos maus dos homens bons: Gn 37.11,18-19; 45.5-8; 50.15-21
Atos maus dos homens maus: Jr 25.9-14; 51.20-24; 52.4-30;Hc 1.3-13
Por homens bons queremos dizer aqueles que são regenerados e habitados pelo Espírito; por homens maus são aqueles que estão distantes de Deus e vivem deliberadamente pecando, tendo um coração escravo dos seus prazeres. Por atos bons daqueles que são regenerados deve-se entender a obediência à Palavra, o produzir e praticar o fruto do Espírito. Nos homens maus, os atos bons têm outro sentido: embora suas intenções nunca sejam puras, eles produziram alguma consequência boa cujos efeitos foram benéficos. Os atos maus, dos homens maus, referem-se somente ao processo natural da sua natureza caída (cf. A Providência, Editora Cultura Cristã).
É necessário, portanto, cultivar a humildade e reconhecer que mesmo que os ensinos das Escrituras sejam muitos e claros, essa doutrina é bastante complexa, e de certo modo, misteriosa. Há pessoas que não creem dessa maneira e temem apontar Deus como o “autor do pecado” ou “compactuando com o mal”. A Confissão sabiamente enfatiza a responsabilidade moral do homem, que vive por aquilo que está revelado, ou seja, embora Deus tenha todo esse envolvimento nas ações e intenções dos homens, nós devemos viver pelo que Deus, que é bom e justo, diz, e temer sua disciplina e justa condenação, pois ele odeia o pecado (1Jo 2.15-16; Pv 6.16-19; Hb 1.9).

Conclusão

O relacionamento de Deus com o mal e com os homens é complexo. Todavia, as Escrituras nos oferecem respaldo para pensar sobre esse tema de modo que enxerguemos o compatibilismo nas ações soberanas de Deus e na responsabilidade de cada homem. Ninguém está alheio ao poder providencial de Deus, e ele será cada vez mais glorificado por meio da verdade registrada em sua Palavra.

Soberania, responsabilidade e liberdade

Soberania, responsabilidade e liberdade

Texto Básico: Daniel 5.22-23

Introdução

Como compreender a relação entre a soberania de Deus e a nossa responsabilidade? De onde deriva nossa responsabilidade? Se Deus decretou tudo e sua soberania estende-se a todas as suas criaturas, inclusive o homem, será que somos verdadeiramente livres? O plano de Deus abrange também as nossas decisões morais, como o pecado? Nesta lição buscaremos compreender essa relação entre liberdade, responsabilidade e a soberania de Deus, sempre submissos às Escrituras.

I. Em busca de autonomia

O que o pecador mais deseja é ter autonomia e desvencilhar-se do senhorio de Deus sobre sua vida. Mesmo encarando um Deus que se revela absoluto e soberano, o pecado leva o ser humano a não querer nem a presença, nem o controle de Deus sobre a sua vida. O caso de Adão e Eva, no Éden, revela nossa insatisfação quanto à soberania de Deus em nossas decisões.
A promessa que Satanás fez ao primeiro casal foi de torná-los autônomos em relação a Deus. O pecado nos faz rejeitar o senhorio de Cristo sobre nós, ele nos leva para longe da presença do Senhor para que permaneçamos fora de seu domínio. A autonomia é uma ilusão criada pelo pecado para dar-nos um tipo de status que nos faz crer que podemos ser iguais a Deus. Ao mesmo tempo, esse cenário havia sido decretado e planejado por Deus:
“A onipotência, a sabedoria inescrutável e a bondade infinita de Deus, de tal maneira se manifestam na sua providência, que esta se estende até à primeira Queda e a todos os outros pecados dos anjos e dos homens, e isto não por uma mera permissão, mas por uma permissão tal que, para os seus próprios e santos desígnios, sábia e poderosamente os limita, regula e governa em uma múltipla dispensação; mas essa permissão é tal, que a pecaminosidade dessas transgres¬sões procede tão somente da criatura e não de Deus, que, sendo santíssimo e justíssimo, não pode ser o autor do pecado e nem pode aprová-lo” (Confissão de Fé de Westminster V.IV).
A permissão de Deus será tratada em uma lição específica. Nesta abordaremos a realidade da providência de Deus que se estende a tudo, da Queda até o pecado. Podem criaturas livres ser tão controladas e continuarem responsáveis por seus atos?

II. Liberdade e responsabilidade

Considerando o que temos visto, podemos nos perguntar: Adão e Eva não ti¬nham liberdade de escolher? E eu? Tenho liberdade de escolher fazer o que quiser? De fato, o homem tem o que chamamos de liberdade criada, mas ele não tem o que desejaria ter: liberdade autônoma. A liberdade criada foi instituída por Deus e pertence aos seus agentes livres. Isso se harmoniza com as Escrituras na medida em que entendemos que nossa responsabilidade não deriva de uma suposta liberdade autônoma. Normalmente associamos a nossa res¬ponsabilidade com a liberdade que temos de agir. No entanto, nenhuma criatura de Deus teve essa liberdade, uma liberdade que a tornasse livre de todas as influências possíveis, principalmente do próprio Deus. A ideia de responsabilidade é a de sermos chamados diante de Deus para prestar contas das nossas ações, omissões, intenções, pensamentos e palavras. A Bíblia baseia nossa responsabilidade em quatro pontos.
1) Somos responsáveis diante de Deus porque somos suas criaturas.
Como Senhor soberano e dono de suas criaturas, Deus tem a prerrogativa de chamar qualquer uma delas, a qualquer momento, para responder diante dele sobre suas atitudes. O caso de Jó é um exemplo retumbante. Ele e seus amigos passaram um tempo arrazoando a respeito de sua situação, então, diz o texto que “Depois disto, o Senhor, do meio de um redemoinho, respondeu a Jó: Quem é este que escurece os meus desígnios com palavras sem conhecimento? Cinge, pois, os lombos como homem, pois eu te perguntarei, e tu me farás saber” (Jó 38.1-3). O profeta Isaías registra “Por que, pois, dizes, ó Jacó, e falas, ó Israel: O meu caminho está encoberto ao Senhor, e o meu direito passa despercebido ao meu Deus? Não sabes, não ouviste que o eterno Deus, o Senhor, o Criador dos fins da terra não se cansa, nem se fatiga? Não se pode esquadrinhar o seu entendimento” (Is 40.27-28). Somos como vasos de barro nas mãos do oleiro, e ele tem o direito de fazer o que desejar com a massa (cf. Is 29.16; 45.9; 64.8; Jr 18.1-6; Rm 9.21).
2) Somos responsáveis porque Deus é o nosso ponto de referência moral.
Quem regula e delimita o que devemos ser e/ou fazer é o Senhor por meio de sua Palavra. Quando ele diz que somos responsáveis por nossos atos, não há meios de escapar, temos de nos conformar à sua vontade revelada. “Disse mais o Senhor a Jó: Acaso, quem usa de censuras contenderá com o Todo-Poderoso? Quem assim argui a Deus que responda” (Jó 40.1-2). Tiago ainda revela: “… qualquer que guarda toda a lei, mas tropeça em um só ponto, se torna culpado de todos. Porquanto, aquele que disse: Não adulterarás também ordenou: Não matarás. Ora, se não adulteras, porém, matas, vens a ser transgressor da lei” (2.10-11).
3) Somos responsáveis pelo conhecimento que temos de Deus.
Embora nem todos os homens tenham conhecimento do evangelho, todos têm um conheci¬mento revelado e inato de Deus. O apóstolo Paulo trabalha com essas questões na epístola aos Romanos: “… o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles, porque Deus lhes manifestou” (Rm 1.19). Ele diz que os atributos invisíveis de Deus, o seu eterno poder e divindade são claramente vistos na criação (Rm 1.20-23). Isso torna todos os homens in¬desculpáveis. Mas Paulo também diz, no capítulo dois, que os homens têm uma lei gravada no coração, que dá testemunho da existência de Deus, e o Senhor Jesus os julgará através disso também (Rm 2.12-16). A ideia é que quanto mais conhecimento temos de Deus, mais responsáveis nos tornamos diante dele.
4) Somos responsáveis porque o propósito de nossa vida é a glória de Deus.
A primeira pergunta do Catecismo Maior de Westminster é: “Qual é o fim supremo e principal do homem?”. A resposta: “O fim supremo e principal do homem é glorificar a Deus e alegrar-se nele para sempre”. Na verdade, somos responsáveis, somos mordomos das bênçãos que Deus nos dá para cumprirmos o fim para o qual fomos criados (Rm 11.36; 1Co 10.31). Quando visamos somente a glória de Deus no que fazemos, estamos cumprindo o importante papel que nos foi legado.

III. Liberdade real

Talvez você esteja pensando que ser responsável dessa maneira não nos dá uma liberdade real, verdadeira. Como pode essa liberdade criada ser, de fato, liber¬dade? Como pode Deus controlar todos os eventos da História, nos seus mínimos detalhes, e ainda assim nos dar liberdade? Há duas respostas para essa questão.
Primeira, poderíamos usar o argumento da complexidade dos caminhos de Deus. Nem tudo o que Deus faz é revelado. Ele também não precisa dar satisfação aos homens, por que faz ou deixa de fazer, ou como faz. A nós pertencem as coisas reveladas (Dt 29.29). Devemos nos esforçar e estudar diligentemente a Palavra para compreender as coisas que Deus quis nos revelar, no entanto, Deus nunca disse que compreenderíamos alguma coisa plenamente. Pelo contrário, várias vezes somos advertidos que os caminhos do Altíssimo são inescrutáveis, mas melhores (Jó 5.9; Is 55.8-9; Rm 8.28; 11.33). É sobre essa complexidade, mas relacionada à eleição e predestinação, que o apóstolo Paulo diz: “Quem és tu, ó homem, para discutires com Deus?” (Rm 9.20).
Segunda, poderíamos enfatizar aqueles textos das Escrituras em que o homem faz o que deseja, segundo a inclinação do seu coração. Já estudamos a respeito da livre-agência, e como vimos a Bíblia nos ensina claramente que homens maus praticam maldades porque amam mais as paixões de sua carne do que a vontade Deus. Existem vários exemplos nas Escrituras, mas escolhemos lembrar o que aconteceu com o rei Belsazar. O livro de Daniel descreve que o rei Belsazar, neto de Nabucodonosor, deu um banquete aos seus príncipes e decidiu utilizar os utensílios de ouro retirados da Casa de Deus (cf. Dn 5.1-4). Então “… apareceram uns dedos de mão de homem e escreviam, defronte do candeeiro, na caiadura da parede do palácio real; e o rei via os dedos que estavam escrevendo” (Dn 5.5). A inscrição na parede condenava Belsazar porque ele sabia o que Deus havia feito com o seu avô Nabucodonosor, mas mesmo assim não se humilhou e nem reconheceu a soberania do Deus de Israel (Dn 5.13-23; cf Dn 4.1-37).
É assim que a Palavra apresenta a relação entre a soberania de Deus e a responsabilidade. Jamais poderemos afirmar que nosso pecado não é culpa nossa, pois a verdade é que desejamos praticá-lo e temos liberdade para recusá-lo, “… eis que o pecado jaz à porta; o seu desejo será contra ti, mas a ti cumpre dominá-lo” (Gn 4.7).

Conclusão

O homem criado por Deus foi seduzido pelo diabo, que o fez duvidar da Palavra do Senhor prometendo-lhe uma liberdade autônoma, livre da soberania do Altíssimo. Na verdade, Deus nos fez e nos deu uma liberdade criada por ele mesmo, mas esta não anula nossa responsabilidade, pois está fundamentada em outros fatores bíblicos. Embora criada, a liberdade é real e deve ser usada para obedecer e glorificar o Senhor.

A revelação pessoal de Deus

A revelação pessoal de Deus

Texto básico: João 14.6-10

Introdução

A Bíblia fala de um Deus que se revela. O conteúdo do Cristianismo é revelacional, advém do conhecimento e estudo que o homem faz da revelação de Deus.
O que muitos esquecem ao comemorar  nascimento de Cristo é que foi exatamente o ato da encarnação do Filho que constituiu a maior expressão revelacional de Deus. Em nenhum outro lugar encontramos com tanta precisão informações a respeito de Deus, dos seus propósitos e atributos. O nosso objetivo por meio deste estudo é entendermos a importância do Filho na transmissão pessoal da revelação especial de Deus e como essa revelação nos conduz a um relacionamento pessoal com Pai, diferentemente de uma religião esotérica, em que seus ensinamentos sempre são adquiridos por meio de experiências místicas.

I. O Deus que se revela

Sabemos que Deus se revelou. Mas por que ele fez isso? Dentre os motivos que encontramos na Bíblia, podemos apresentar os seguintes:
A. Para se dar a conhecer
O Deus apresentado nas Escrituras Sagradas não tem prazer em se envolver num jogo de “esconde-esconde” com os seus filhos.
Um dos propósitos da auto-revelação de Deus é se fazer conhecido. Ele quer que saibamos mais a respeito da sua pessoa, da sua vontade para a nossa vida, dos seus propósitos para o seu povo e dos seus atributos. Não é sem motivo que, por meio do profeta Jeremias, Deus disse que a glória do homem consistiria em conhecê-lo, inclusive ele receberia um coração com condições para tal (Jr 9.24; 24.7), porque isto é algo que o agrada.
Deus tem tanta satisfação em que seu povo o conheça que rejeitar esse conhecimento é como rejeitar o próprio Deus (Is 1.2,3). A vida eterna que recebemos consiste no conhecimento que temos dele (Jo 17.3) e por sua vez, a morte é exatamente o resultado do desconhecimento (Os 4.6).
Continuamente Deus se faz conhecer, seja por meio da sua criação, da providência, ou da palavra falada que começou lá no Éden e culminou na encarnação dessa mesma palavra que foi o nascimento de Cristo. Porém, ao se fazer conhecer, Deus também tinha outros propósitos.
B. Relacionar-se com os seus filhos
Um dos objetivos de Deus ao se fazer conhecido é estabelecer um relacionamento com o seu povo. A Bíblia não apresenta um Deus impessoal, pelo contrário, ele é tripessoal. Também o Senhor não é um Deus distante que, apesar de Criador, permanece totalmente indiferente e estático em relação a sua criação.
Desde o início da criação vemos a iniciativa de Deus em desenvolver um relacionamento pessoal com o primeiro casal quando ele andava no fim do dia no jardim (Gn 3.8). Logo, Deus não apenas se manifestou, mas também falou, o que é próprio somente de um relacionamento pessoal.
Percebemos também que um dos objetivos de Deus ao se revelar é ter um relacionamento pessoal com os seus filhos por causa das diversas vezes em que ele afirma que formaria para si um povo, seria o seu Deus, andaria e habitaria no meio desse povo (Êx 6.7; Lv 26.12; Jr 7.23; 11.4; 30.22; 32.38; 2Co 6.16; Hb 8.10; Ap 21.3).
Referências bíblicas também ao amor, justiça, misericórdia, ira, bondade, paternidade, entre outros atributos, só são possíveis por causa da pessoalidade que há em Deus, pois esses atributos mencionados não podem ser exercidos ou manifestados por meio de alguma força impessoal. Logo, se Deus é pessoal há um relacionamento, e não somente entre as três pessoas que há na divindade, mas com os seus filhos também.
C. Para ser glorificado
Por fim, podemos mencionar também como propósito da revelação de Deus o objetivo de ser glorificado. Deus se manifesta aos seus filhos proporcionando-lhes o conhecimento a respeito de si e se relacionando com eles. Esses, em atitude de reconhecimento, respondem glorificando-o.
Quando olhamos para a criação de um modo geral, vemos Deus dando-se a conhecer por meio dela e manifestando também a sua glória aos homens. Portanto a nossa atitude deve ser a mesma do salmista após contemplar as maravilhas da natureza que reconhece o poder e a sabedoria de Deus (Sl 104.24).
Os atos poderosos de Deus na História e a sua providência diária por meio do que ele também se revela têm por objetivo conduzir o seu povo a glorificá-lo. Uma das razões para o endurecimento do coração de Faraó é que Deus seria glorificado mediante o livramento do povo de Israel do cativeiro egípcio. Portanto, Deus usa a obstinação do monarca egípcio, manifesta-se ao seu povo, se dá a conhecer um pouco mais, levando seus filhos a glorificá-lo.

II. Como Deus se revela

 A. Revelação não verbal
Tradicionalmente, a revelação não-verbal é chamada de revelação geral. Ela aponta para a existência do Criador, manifestando a sua glória, poder e divindade (Sl 19.1; At 14.17; Rm 1.18,19) tornando assim todos os homens indesculpáveis diante de Deus (Rm 1.20). Essa revelação se dá por meio das obras da criação, da providência e da lei moral de Deus implantada no coração dos homens (Rm 2.15). Logo, os seus destinatários são todas as pessoas, independentemente de serem ou não cristãs.
Chamamos essa revelação de não-verbal por causa do modo como ela ocorre em distinção ao outro tipo de revelação, a verbal. Se observarmos, tomando emprestada a expressão do salmista, esse é um tipo de revelação na qual “não há linguagem, e nem há palavras, e não se ouve nenhum som” (Sl 19.4). Ela não é falada, mas cumpre seu objetivo, que é testemunhar a respeito da existência do Criador.
Por isso, a rejeição a essa revelação é identificada por Paulo como impiedade e perversão. Os homens, apesar de terem o conhecimento da verdade, preferem adorar e servir a si mesmos, seguindo um raciocínio nulo e um coração insensato (Rm 1.21). Tal atitude, ímpia e perversa, traz sobre si a manifestação da ira de Deus.
B. Revelação verbal
Distinta da revelação anterior, há também a revelação especial ou verbal. O escritor aos Hebreus disse que Deus falou muitas vezes e de “muitas maneiras” (Hb 1.1). Aliás, algo que a Bíblia insistentemente nos apresenta é um Deus que fala. O mundo foi criado pela sua palavra, ele falava com o homem no Éden e continuou a falar durante todo o processo histórico da revelação. Hoje ainda temos a sua palavra falada registrada nas Escrituras Sagradas.
1. Muitas maneiras – O modo pelo qual Deus inicialmente se manifestou. Tecnicamente, chamamos a essas manifestações de teofanias, ou seja, Deus assumindo formas para se revelar ao homem.
A primeira dessas manifestações que encontramos na Bíblia está ainda no Éden, quando Deus “andava” no jardim com o homem e a mulher no fim do dia. De algum modo e forma, Deus se manifestava e falava durante aqueles momentos ao homem.
Outra manifestação que encontramos na Bíblia ocorreu a Abraão. Deus e mais dois anjos foram ao patriarca em semelhança humana (Gn 18.1,2). É importante frisar que ali não houve uma encarnação, Deus apenas manifestou-se em forma humana e falou a Abraão. Podemos também mencionar o episódio da sarça ardente, por meio do qual Deus falou a Moisés (Êx 3.2-4). Por fim, há diversas citações do Anjo do Senhor se manifestando a diversas pessoas e falando a elas (Gn 16.7, 22.11; Nm 22.23; Jz 6.11; 2Rs 1.3; 1Cr 21.16). O importante frisar é que, em todas essas ocasiões, Deus sempre falou, revelando a sua vontade e também dando a conhecer quem ele é.
2. Pelos profetas – As teofanias foram muito mais intensas até os dias de Moisés, sendo substituídas gradativamente pelas profecias. A partir de Moisés, Deus começa a levantar os seus profetas que tinham a responsabilidade de tornar conhecida a vontade de Deus ao seu povo. Por isso, mais uma vez a ênfase recai no fato de Deus estar falando. Ainda que o conteúdo profético fosse recebido por meio de visões, sonhos ou até mesmo teofanias, os profetas agora eram a “boca de Deus” aos homens. Eles eram responsáveis por transmitir a sua palavra. Daí a insistência na expressão “ouvi a palavra do Senhor” ou “assim diz o Senhor”.
3. Pelo Filho – Hebreus mostra que a revelação verbal de Deus teve o seu ápice na pessoa do Filho. A palavra pela qual o mundo fora criado, que fora manifestada de muitas maneiras e também profeticamente, agora estava encarnada. Ou seja, a maior expressão falada de Deus se deu por meio do Filho. Não era somente uma palavra ouvida, mas vista, tocada e que habitava entre os homens (1Jo 1.1).
O apóstolo João disse que o Filho era o Verbo eterno que estava com Deus desde o princípio e que todas as coisas foram feitas por intermédio dele (Jo 1.1). Essa Palavra ou Verbo manifestava a glória do Filho de Deus e revelava o próprio Deus (Jo 1.14,18), era o Emanuel (Mt 1.23).
O apóstolo Paulo escreve também a respeito do Filho dizendo que ele “é a imagem do Deus invisível” (Cl 1.15) e que “nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade” (Cl 2.9). O escritor aos Hebreus também se refere ao Filho como a “expressão exata” do Ser de Deus (Hb 1.3).
Todas essas evidências bíblicas mostram como a revelação de Deus ao seu povo alcança o seu ponto máximo mediante a encarnação do Filho, a ponto de Jesus dizer a Felipe que quem o visse, via também o Pai (Jo 14.8-10).

III. A revelação por meio do Filho

Veremos a partir deste ponto da lição como é que essa revelação verbal de Deus sempre foi mediada pelo Filho, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento.
A. No Antigo Testamento
O primeiro exemplo que podemos apresentar é uma referência feita pelo apóstolo Pedro. Em sua segunda carta, alertando a Igreja contra os falsos mestres, ele recorda o ensino que os crentes tinham aprendido. Pedro se refere às palavras que já tinham sido “ditas pelos santos profetas” e aos mandamentos de Cristo que foram ensinadas pelos seus apóstolos (2Pd 3.2). É evidente que os ensinamentos apostólicos foram primeiramente transmitidos pelo Filho. Mas, e quanto as palavras ditas pelos profetas?
Na sua primeira carta, Pedro fala sobre esse processo. Ele diz que os profetas faziam perguntas e procuravam descobrir mais detalhes a respeito da salvação que eles anunciavam. Eles dedicavam toda a atenção possível a respeito daquilo que lhes era revelado a respeito do Filho que viria e do sofrimento que ele padeceria. Porém, todas essas revelações eram feitas pelo próprio Espírito de Cristo que neles estava (1Pe 1.10,11). Logo, já no Antigo Testamento, o Filho eterno era quem fazia a mediação entre Deus e os homens na revelação especial.
Outro exemplo que podemos apresentar está no evangelho de João. Após registrar alguns milagres e mensagens de Jesus, inclusive a ressurreição de Lázaro, o apóstolo diz que Cristo estava sendo rejeitado pelos judeus, seu próprio povo, o que incluía a elaboração de um plano pelas autoridades religiosas judaicas para tirar a sua vida (Jo 12.37).
No entanto, João entende isso como cumprimento de uma profecia de Isaías. Ele diz que o profeta já havia predito que não creriam nele e que o rejeitariam. Porém, é interessante notar que essa profecia ocorreu, segundo João, quando Isaías viu a glória do Filho eterno. A passagem, no entanto, que ocorre no Antigo Testamento onde encontramos a profecia mencionada, narra o momento em que Isaías entra no Templo e vê o Senhor sentando no trono, sendo adorado por serafins que clamavam: Santo! Santo! Santo! (Is 6.1-10). O que João entende (Jo 12.37-41) é que a glória revelada ao profeta, referida como a glória do Senhor dos exércitos, já era a glória de Cristo (Jo 17.5).
Por fim, podemos mencionar também a citação do apóstolo Paulo. Quando escreve à igreja em Corinto alertando-a contra a idolatria, ele faz algumas referências ao povo de Israel durante a sua peregrinação no deserto. Paulo fala do batismo na nuvem e no mar, do manjar espiritual que eles comeram e de uma água espiritual que jorrava de uma pedra espiritual que seguia o povo de Israel durante a sua peregrinação. Conclui o apóstolo Paulo: “a pedra era Cristo” (1Co 10.1-4). Logo, no entendimento de Paulo, Cristo desde o Antigo Testamento já era a fonte mediadora das bênçãos entre Deus e os homens (Ef 1.3; 3.8; Cl 2.3).
B. No Novo Testamento
As passagens que veremos a seguir nos mostrarão, não somente o entendimento apostólico, mas o ensino bíblico de que o Filho sempre é o mediador entre Deus e os homens (1Tm 2.5), inclusive na transmissão da sua vontade (Dt 18.15,18; Jo 14.21).
O apóstolo Paulo faz questão de enfatizar em algumas ocasiões que a sua pregação e seu ensino não eram fruto da especulação humana, mas vinham do próprio Deus (1Ts 2.13), transmitido a ele por Jesus Cristo. Ao instruir os crentes em Corinto a respeito da Ceia, ele diz que entregava aquilo que havia recebido do Senhor (1Co 11.23). Sobre a ressurreição, ele volta a dizer que entregou apenas o que havia recebido (1Co 15.3). Aliás, ele mesmo tinha sido testemunha da ressurreição de Cristo e muito da sua mensagem ele recebera do Cristo ressurreto.
O apóstolo João, combatendo os falsos mestres que negavam a humanidade plena de Cristo, afirma que anunciou o que recebera do Filho, o qual João tocara com suas próprias mãos e vira com os seus próprios olhos (1Jo 1.1-3). O próprio Jesus, na grande comissão, lembra que seriam as suas ordenanças que deveriam ser ensinadas (Mt 28.20), que o próprio ensino do Espírito Santo seria a retransmissão daquilo que eles já tinham ouvido (Jo 16.13), que lembraria os seus discípulos daquilo que Jesus já lhes havia ensinado (Jo 14.26). Portanto, podemos concluir que o Filho sempre foi essencial para a revelação pessoal de Deus ao seu povo.

Conclusão

Felipe fez um pedido audacioso a Jesus Cristo. Ele queria ver o Pai. Semelhantemente a Felipe, muitos ainda querem ver o Pai ou desejam se aproximar de Deus. Muitos, porém, buscam essa aproximação do Pai do modo errado. Eles tentam ir diretamente a Deus com os seus próprios méritos ou buscam outros caminhos, tais como o misticismo ou as boas obras.
Porém, nenhum desses caminhos nos conduzirá ao Pai, pois ele se relaciona de modo pessoal com o seu povo, e esse relacionamento sempre será mediado pelo Filho. A sua própria revelação faz parte desse modo pessoal de se relacionar, pois ela é a manifestação da sua vontade e do seu Ser. Logo, a conclusão a que podemos chegar está nas palavras de Jesus: “Quem me vê a mim vê o Pai”.