quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

Regeneração ou novo nascimento

Regeneração ou novo nascimento

Texto básico: João 3.1-15

Introdução

O que acontece depois de sermos escolhidos em Cristo e chamados eficazmente pela pregação do evangelho e a ação do Espírito? Qual é o próximo elo na grande bênção da salvação? Como e em qual momento recebemos vida espiritual para podermos responder com fé à vocação eficaz? Regeneração e novo nascimento são a mesma coisa? Ser nascido de Deus e ser uma nova criatura são a mesma coisa? Como a regeneração acontece? O que ela tem a ver com a conversão e a santificação?

1. O ensino bíblico sobre regeneração

A Escritura mostra com clareza que apenas Deus pode realizar a transformação necessária para capacitar os seres humanos a fazerem o que é agradável aos seus olhos (Dt 30.6; Jr 31.33; Ez 36.26).
No Novo Testamento encontramos ensinos mais claros e ricos sobre a regeneração. Nenhum autor trata mais frequentemente do tema do novo nascimento do que João. Veja, por exemplo, o que é dito em João 1.12-13: “Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que creem no seu nome; os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus”. Repare que ser filho de Deus não é algo que se consegue pela descendência (“não nasceram do sangue”) nem pela decisão humana autônoma (“nem da vontade da carne”), mas exclusivamente pela ação de Deus (“de Deus”).
Para sermos filhos de Deus, precisamos ser espiritualmente gerados por ele. É verdade que “todos quantos o receberam”, isto é, todos aqueles que creem em Jesus, recebem o direito de serem filhos de Deus, mas até mesmo a fé pela qual essas pessoas creem em Jesus é um dom de Deus (Ef 2.8-9) e, portanto, faz parte da ação de Deus na salvação humana. A regeneração é uma obra totalmente divina realizada pelo Espírito no coração do pecador.
Talvez nenhum texto da Escritura ensine a soberania de Deus na regeneração humana de modo mais claro do que nosso texto básico (Jo 3.1-15). Nicodemos, um judeu importante, membro do Sinédrio, foi se encontrar com Jesus. Ele respeitava Jesus como mestre, mas ainda não havia entendido bem a verdadeira missão que Jesus tinha vindo realizar. No versículo 3, Jesus faz uma declaração que expressa o núcleo da mensagem que Nicodemos precisava compreender: “Em verdade, em verdade te digo que, se alguém não nascer de novo [não for regenerado], não pode ver o reino de Deus”. Portanto, nascer de novo, é o pré-requisito fundamental para que a pessoa tenha acesso ao reino de Deus. Nicodemos não estava preparado para esta resposta. Ele era uma pessoa respeitável, um homem idôneo, era aquilo que costumamos chamar de “gente de bem”. Sendo assim, como, por que e em que sentido ele precisava nascer de novo?
Diante da dificuldade de Nicodemos em entender as suas palavras (v. 4), Jesus declara ainda com mais clareza: “Em verdade, em verdade te digo: Quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no reino de Deus” (v. 5). A água era usada, no Antigo Testamento, para simbolizar a purificação interna. O uso mais notável deste símbolo é visto em Ezequiel, quando o Senhor anuncia a futura restauração de Israel: “Aspergirei água pura sobre vós, e ficareis purificados; de todas as vossas imundícias e de todos os vossos ídolos vos purificarei” (Ez 36.25). Então Jesus está dizendo que se a pessoa não for purificada por Deus, ela não pode entrar no reino. O Espírito, por sua vez, é o agente divino que produz o novo nascimento. Portanto, Jesus está afirmando a necessidade de purificação interior e regeneração para que a pessoa possa entrar no reino de Deus.
Nesse novo nascimento, somos totalmente dependentes da ação do Espírito. Ele é soberano na regeneração. Jesus ensina: “O vento sopra onde quer, ouves a sua voz, mas não sabes donde vem, nem para onde vai; assim é todo o que é nascido do Espírito” (v. 8). A ação do Espírito na regeneração é tão soberana quanto a ação do vento, que sopra onde quer. Além disso, ela também é misteriosa, como os movimentos do vento.
Quando Jesus diz que “o que é nascido da carne é carne; e o que é nascido do Espírito é espírito” (v. 6), ele não está usando a palavra “carne” no sentido de “natureza humana escravizada pelo pecado”, como Paulo faz frequentemente, mas no sentido de “fraqueza humana”. O sentido do texto é que aquele que tem um nascimento apenas físico continua sendo uma pessoa não regenerada, mas aquele que é nascido do Espírito se torna uma pessoa regenerada, um filho de Deus. A regeneração, portanto, provoca em nós uma mudança real: deixamos de ser simplesmente criaturas de Deus e nos tornamos filhos de Deus.
A primeira carta de João também é repleta de ensinamentos sobre a regeneração. Em 1João 2.29, ele afirma que a pessoa regenerada pratica a justiça. Isso mostra que a regeneração, embora aconteça em um dado momento no tempo, é manifestada na vida do crente pelos efeitos que ela produz. O mesmo ensino está presente em 1João 3.9: “aquele que é nascido de Deus não vive na prática do pecado”, isto é, não tem prazer no pecado e tem aversão a ele.
A regeneração não nos torna perfeitos. Mesmo depois de regenerados, continuamos tendo que lidar com o problema do pecado, como o próprio João ensina: “Se dissermos que não temos pecado nenhum, a nós mesmos nos enganamos e a verdade não está em nós (1Jo 1.8). Seremos perfeitos somente quando formos glorificados. No entanto, a regeneração coloca em nosso coração uma disposição nova, uma disposição para o bem que agrada a Deus, uma disposição para a santidade, de modo que não mais servimos ao pecado como escravos. Em 1João 4.7, João afirma que a pessoa regenerada ama seus irmãos, sendo esta mais uma evidência da regeneração. Uma pessoa regenerada reconhece em outra pessoa regenerada um irmão em Cristo. Somos regenerados individualmente, mas, quando isso acontece, somos imediatamente inseridos na família cristã.
Em 1João 5.1, o apóstolo afirma que a pessoa regenerada tem fé em Jesus. Esse “em Jesus” é fundamental aqui. O regenerado não tem fé em um ídolo, não tem fé nas riquezas deste mundo, não tem fé em si mesmo. O regenerado tem fé em Jesus. João também afirma que “todo o que é nascido de Deus vence o mundo” (1Jo 5.4). Esta vitória, porém, não é alcançada pela sabedoria deste mundo, mas pela fé em Jesus.
O redimido tem aversão ao pecado e, também, é guardado por Deus e não pode ser tocado pelo diabo (1Jo 5.18). Sendo regenerados por Deus, somos também preservados por ele. Nem mesmo o diabo pode nos fazer voltar ao antigo estado de mortos espirituais e inimigos de Deus. Uma vez que recebemos de Deus a vida espiritual, ele mesmo a preservará em nós. Reconciliados com Deus em Cristo, não voltaremos ao antigo estado de hostilidade permanente contra ele. Enfim, de modo geral, na primeira carta de João aprendemos que a pessoa regenerada tem sua vida marcada pelas seguintes características: justiça, aversão ao pecado, amor aos irmãos, fé em Jesus e vitória sobre o mundo. Vimos também que o regenerado é guardado pelo próprio Deus.
Paulo também fala sobre a regeneração. Em Efésios 2.5, ele diz que “Estando nós mortos em nossos delitos, [Deus] nos deu vida juntamente com Cristo”. A regeneração, portanto, é o ato de Deus pelo qual ele dá vida espiritual a pessoas que estavam espiritualmente mortas. Mais uma vez, a regeneração é apresentada como uma mudança de estado na vida humana: da morte para a vida. Em Efésios 2.10 e 2Coríntios 5.17, ele faz a surpreendente declaração de que a regeneração é uma espécie de nova criação. Os regenerados são criados em Cristo, tornando-se, assim, novas criaturas.
Encerrando esta divisão, podemos definir a regeneração como “a obra do Espírito Santo pela qual ele inicialmente traz as pessoas à viva comunhão com Cristo, transformando seus corações para que aqueles que estão espiritualmente mortos se tornem espiritualmente vivos, habilitados a se arrependerem do pecado, crer no evangelho e servirem ao Senhor”.[1]

2. A natureza da regeneração

A regeneração é tão misteriosa quanto o vento. Não sabemos de onde vem, nem para onde vai (Jo 3.8). Além disso, não podemos observar a regeneração, podemos apenas observar a manifestação dos efeitos produzidos na vida dos eleitos de Deus. No entanto, com base no ensino bíblico, podemos fazer algumas afirmações importantes sobre a natureza da regeneração:
  1. É uma transformação instantânea. A regeneração é imediata, ao contrário da santificação, que é um processo contínuo que dura toda a vida do crente. Em Efésios 2.5, a regeneração é descrita como uma mudança da morte para a vida. Não existe meio termo entre a morte e a vida. Ou a pessoa está morta, ou está viva.
  2. É uma transformação sobrenatural que Deus realiza no crente. Repare que a regeneração não é apenas uma melhoria moral ou uma melhoria social, mas uma mudança sobrenatural. O regenerado não se torna uma “pessoa boa”, ele se torna uma nova criatura. É claro que a santificação que acompanha a regeneração tem efeitos éticos na vida do regenerado, mas a regeneração vai muito além disso. Ela não se refere somente a uma mudança de comportamento, mas a uma mudança em nosso relacionamento com Deus.
  3. É uma mudança radical, não superficial. A regeneração atinge a essência da natureza humana.
a) A regeneração é a concessão de vida espiritual. É na regeneração que o pecador morto em seus delitos torna-se espiritualmente vivo e é feita a sua reconciliação com Deus.
b) A regeneração é uma mudança que afeta a vida toda. Não se trata de uma mudança apenas intelectual, mas de uma mudança que atinge o intelecto, a vontade e as emoções. A Escritura fala que a pessoa regenerada tem um coração novo, isto é, uma vida nova.

3. A regeneração e as outras doutrinas bíblicas

Fazendo o estudo de um dos elementos da salvação pela perspectiva da ordo salutis, é muito proveitoso verificarmos a relação da regeneração com outras doutrinas bíblicas ligadas à salvação.
a) Regeneração e conversão. A regeneração resulta na conversão (fé e arrependimento). Podemos dizer que a conversão é a evidência externa de que uma pessoa foi regenerada.
Veja, por exemplo, o que a Escritura diz a respeito da conversão de Lídia: “Certa mulher chamada Lídia, da cidade de Tiatira, vendedora de púrpura, temente a Deus, nos escutava; o Senhor lhe abriu o coração para atender às coisas que Paulo dizia”. O autor do livro de Provérbios diz: “Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o teu coração, porque dele procedem as fontes da vida” (Pv 4.23). O coração, na Escritura, designa o centro de todas as atividades humanas. Ele é a fonte das experiências mentais e espirituais. Por isso, quando Lucas, em Atos 16.14, diz que Deus abriu o coração de Lídia, entendemos que ele está descrevendo a regeneração realizada por Deus nesta mulher para que ela entendesse o que Paulo estava dizendo e pudesse se apropriar disso pela fé.
Esta resposta do pecador ao chamado eficaz é o que chamamos de conversão. Como já foi dito quando estudamos a ordo salutis (veja lição 4), chamado eficaz, regeneração e conversão ocorrem simultaneamente. Não há um intervalo entre a concessão de cada uma destas bênçãos espirituais. Todas elas são simultaneamente concedidas pela graça de Deus na grande bênção da salvação. No entanto, pela lógica, a obra regeneradora de Deus precede a conversão, já que ninguém pode expressar fé e arrependimento se estiver espiritualmente morto.
b) Regeneração e santificação. Somos santificados imediatamente no momento em que somos salvos. No entanto, essa bênção da santificação que recebemos no momento da conversão tem de ser desenvolvida ao longo de nossa jornada cristã. Portanto, neste sentido, podemos dizer que a regeneração é o começo da santificação. A regeneração nos conduz a uma vida de progresso em santificação e obediência. Precisa ser observado que, embora a regeneração seja pessoal, os redimidos formam um corpo, a família da fé. Isso faz com que nossa regeneração tenha implicações sociais dentro do corpo de Cristo. Pedro ensina: “Amai-vos, de coração, uns aos outros ardentemente, pois fostes regenerados” (1Pe 1.22-23). O corpo de regenerados, que é a igreja, precisa desenvolver sua santificação.
c) Regeneração e batismo. O batismo não faz parte da ordo salutis. No entanto, o fato de algumas denominações, como a Igreja Católica Apostólica Romana, por exemplo, ensinarem a regeneração batismal faz com que seja oportuno verificarmos, aqui, a legitimidade desta doutrina à luz da Bíblia. A doutrina da regeneração batismal diz que a pessoa é regenerada pelo batismo. De acordo com o ensinamento católico, a bênção simbolizada no batismo é concedida ex opere operato (isto é, em virtude da ação externa), sem necessidade de qualquer ação, devoção, piedade ou fé ou qualquer outra preparação da parte daquele que o recebe.
O Concílio de Trento, ao tratar deste assunto, afirmou o seguinte: Cânone 6: “Quem quer que diga que os sacramentos da nova lei não contêm a graça que significam ou não conferem graça aos que não se lhe opõem obstáculo, como se fossem meros sinais… seja anátema”. E Cânone 8: “Se alguém disser que os sacramentos da nova lei não lhes conferem graça ex opere operato, mas que a fé somente, na promessa divina, é suficiente para se obter graça, seja anátema”. Ora, o batismo não é um meio de regeneração. Toda a obra da salvação, incluindo todos os seus elementos, é uma obra da graça de Deus. Estudaremos os sacramentos daqui a dois trimestres. No entanto, o que já foi estudado até aqui sobre a salvação nos permite afirmar com a máxima segurança que o batismo não salva ninguém e não tem nenhuma eficácia regeneradora. A salvação é sempre pela graça de Deus mediante a fé.

Conclusão

Os cristãos não são apenas pessoas boas, são pessoas novas, regeneradas, são novas criaturas em Cristo Jesus. A regeneração atinge em cheio nossa natureza humana caída e a transforma de tal modo que passamos da morte para a vida, de um estado de hostilidade contra Deus para um estado de paz com Deus. Essa transformação causada pelo novo nascimento tem implicações permanentes em toda a vida cristã, permitindo-nos receber pela fé a oferta da salvação e nos conduzindo a uma vida de santidade

Nenhum comentário:

Postar um comentário