É Pecado Tomar Bebida Alcoólica?
Dentro do cristianismo existem dois axiomas: praticar somente o ordenado e realizar tudo para a glória de Deus. Os dois versículos áureos destes princípios são:
- "Tudo o que eu te ordeno, observarás para fazer; nada lhe acrescentarás nem diminuirás" (Dt 12.32)
- "Portanto, quer comais quer bebais, ou façais outra qualquer coisa, fazei tudo para glória de Deus" (1Co 10.31).
Fixo isso, precisamos avaliar, ainda que brevemente, o que a Escritura nos diz sobre bebidas alcoólicas. Todavia, é necessário fazer a ressalva acerca de que experiências pessoais ou familiares não são a base para se determinar se algo é bíblico ou não. Ter algum parente que seja ébrio habitual é certamente triste e pesaroso - mas não é o padrão para julgarmos alguma coisa.
Para exemplificar, não posso afirmar que ter um carro com motor 2.0 é um pecado, somente porque conheço alguém que morreu em um carro com essa potência. Igualmente, não posso e não devo afirmar que o cristão não pode ter uma arma em sua casa (desde que legalmente, evidente), apenas porque conheço algum caso onde o filho achou a arma guardada. Em ambos os casos o problema não é o objeto (o carro e a arma), mas, sim, a imprudência dos que manejam tais bens móveis. Não podemos aferir "certo" e "errado" a partir de nosso ponto de vista - é preciso deixar a Bíblia falar por si mesma.
1. Embriagar-se é um pecado
O primeiro ponto comumente levantado é o fato de a Bíblia proibir a embriaguez e, por isso, ser melhor o cristão se abster, a fim de que não caia em pecado. Este de fato é um ótimo conselho - "Aquele, pois, que cuida estar em pé, olhe não caia" (1Co 10.12).
A Bíblia registra algumas ocorrências com respeito à embriaguez, de modo a explicitamente a condenar.
- Noé, após o dilúvio, louvou ao Senhor, plantou uma vinha, mas "bebeu do vinho, eembebedou-se" (Gn 9.21 - grifo meu).
- Na Lei de Deus, dentre tantos pecados dignos de morte, lista a desobediência ligada à embriaguez e bebedice: "Quando alguém tiver um filho contumaz e rebelde, que não obedecer à voz de seu pai e à voz de sua mãe, e, castigando-o eles, lhes não der ouvidos, Então seu pai e sua mãe pegarão nele, e o levarão aos anciãos da sua cidade, e à porta do seu lugar; E dirão aos anciãos da cidade: Este nosso filho é rebelde e contumaz, não dá ouvidos à nossa voz; é um comilão e um beberrão. Então todos os homens da sua cidade o apedrejarão, até que morra; e tirarás o mal do meio de ti, e todo o Israel ouvirá e temerá" (Dt 21.18-21 - grifo meu).
- Registra o Senhor por meio do profeta Isaías: "Ai dos que se levantam pela manhã, e seguem a bebedice; e continuam até à noite, até que o vinho os esquente!" (Is 5.11 - grifo meu).
- A embriaguez é assemelhada à punição de Deus: "Tu também serás embriagada, e te esconderás; também buscarás força por causa do inimigo" (Na 3.11 - grifo meu).
- Lucas fornece o aviso: "E olhai por vós, não aconteça que os vossos corações se carreguem de glutonaria, de embriaguez, e dos cuidados da vida, e venha sobre vós de improviso aquele dia" (Lc 21.34 - grifo meu).
- No mesmo diapasão Paulo ensina aos crentes em Éfeso: "E não vos embriagueis com vinho, em que há contenda, mas enchei-vos do Espírito" (Ef 5.18 - grifo meu).
- O apóstolo também salienta que um dos frutos da carne é a bebedice: "Porque as obras da carne são manifestas, as quais são: adultério, prostituição, impureza, lascívia, Idolatria, feitiçaria, inimizades, porfias, emulações, iras, pelejas, dissensões, heresias, Invejas, homicídios, bebedices, glutonarias, e coisas semelhantes a estas, acerca das quais vos declaro, como já antes vos disse, que os que cometem tais coisas não herdarão o reino de Deus" (Gl 5.19-21 - grifo meu).
- Pedro relembra os crentes para que não vivam como dantes: "Porque é bastante que no tempo passado da vida fizéssemos a vontade dos gentios, andando em dissoluções, concupiscências, borrachices, glutonarias, bebedices e abomináveis idolatrias" (1Pe 4.3 - grifo meu).
Portanto, é indiscutível que o ficar bêbado não seja um pecado. Sobre este ponto não deve haver qualquer discussão. Embriaguez é pecado.
O problema, contudo, é sobre o fato de a Bíblia condenar ou não o tomar bebida alcoólica sem ficar embriagado. Talvez inúmeras, centenas de reportagens e pesquisas poderiam ser elencadas - cada uma tendendo para o gosto pessoal. Infelizmente, no meio científico, de tempos em tempos é renovada a pesquisa e se chega a um novo veredicto - vide o caso da cafeína: quantos estudos já não lemos e que afirmam coisas apostas? Desta forma, melhor que pesquisas (embora seja importantes), é a Palavra do Altíssimo.
2. Qual vinho era usado na Escritura?
Algumas pessoas, no bom intento de afugentar os cristãos da tentação e aparência do mal (1Ts 5.22), dizem que o vinho da Bíblia era diferente do vinho de hoje. Contudo, com o perdão da direta, mas somente ingênuos acreditam nesta ideia. O vinho é uma bebida que facilmente fermenta - ainda mais onde os judeus viviam: lugar quente e com bebidas estocadas em locais nem um pouco imunes à fermentação.
Mas, sejamos receptores e admitamos, por um momento, que isso possa ser verdade. De fato, pode ter havido vinho sem ser fermentado e, portanto, sem qualquer teor alcoólico. Entretanto, vejamos que as escrituras se utilizam da expressão relacionada ao vinho com teor alcoólico e não como sendo suco de uva.
Quando Jesus estava a explicar a necessidade de se transformar a vida por completo, se valeu da ilustração do vinho fermentado: "Ninguém deita remendo de pano novo em roupa velha, porque semelhante remendo rompe a roupa, e faz-se maior a rotura. Nem se deita vinho novo em odres velhos; aliás rompem-se os odres, e entorna-se o vinho, e os odres estragam-se; mas deita-se vinho novo em odres novos, e assim ambos se conservam" (Mt 9.16-17 - grifo meu). O odre era uma espécie de cantil de couro. Ainda que conjecturemos que não fosse couro, nosso Senhor é claro em demonstrar a fermentação do elemento, pois o relaciona ao romper do odre - e isso somente é possível com a fermentação (num odre velho a alta fermentação funcionaria como a pressão do ar em uma panela de pressão velha - iria, literalmente, explodir). Verifica-se, desta feita, que Jesus tem em mente o vinhoGENUÍNO, não um suco de uva (que obviamente existia - mas a palavra no grego não é com relação à suco, e sim ao vinho).
Importante mencionar o caso ocorrido na festa de Pentecostes, quando por ocasião da vinda do Espírito Santo, alguns homens acharam que os discípulos estavam bêbados, ao que Pedro lhes responde: "Estes homens não estão embriagados, como vós pensais, sendo a terceira hora do dia" (At 2.15). A "terceira hora" era a nossa 9 horas da manhã. O notório a ser frisado é que em vez de Pedro dizer, "Homens! Alto lá! Cristão que é cristão não bebe vinho fermentado" ou "Homens, jamais isso seria possível, pois não bebemos qualquer bebida alcoólica!", ele afirma que a hora não era compatível com o momento para se comer e beber, isto é, o apóstolo não se esquiva do fato de beber, mas sim da impossibilidade de estarem bebendo e ficarem bêbados naquele horário. Evidente que com isso o apóstolo não está advogando a licitude da bebedice, mas, sim, afirmando que, conquanto bebessem sem se exceder (leia este excelente artigo sobre as propriedades e nutrientes do vinho [e da cerveja], bem como, à época, era mais seguro beber algo fermentado do que a água, tendo em vista que esta não era "encanada" ou filtrada. O artigo fala dos idos de 1500, que dir-se-á, então, dos tempos apostólicos...), tal atitude não era pecado.
3. Paulo censura a embriaguez - não o vinho fermentado
O apóstolo, enquanto censurava os cristãos em Corinto, categoricamente afirmou que o vinho utilizado na ceia era alcoólico: "De sorte que, quando vos ajuntais num lugar, não é para comer a ceia do Senhor. Porque, comendo, cada um toma antecipadamente a sua própria ceia; e assim um tem fome e outro embriaga-se. Não tendes porventura casas para comer e para beber? Ou desprezais a igreja de Deus, e envergonhais os que nada têm? Que vos direi? Louvar-vos-ei? Nisto não vos louvo" (1Co 11.20.22 - grifo meu). Observemos que Paulo não orienta os cristãos a trocar o vinho alcoólico pelo suco, simplesmente pelo fato de alguns se embriagarem. O que ele faz? Os censura e repreende - "Nisto não vos louvo". Não há qualquer menção sobre deixar o vinho alcoólico (impossível estarem tomando suco de uva e ficando bêbados) para se utilizar do suco.
4. Jesus tomou vinho
Notemos, então, ainda um ponto importante: Cristo foi acusado de ser um beberrão: "Veio o Filho do homem, que come e bebe, e dizeis: Eis aí um homem comilão e bebedor de vinho, amigo dos publicanos e pecadores" (Lc 7.34 - grifo meu). Para se entender como queriam acusar o Messias de ser um beberrão (em Mateus 11.19 está traduzido como beberrão), basta verificarmos que BEBEDOR de vinho" está junto a "comilão", cuja palavra no grego é "phagos" e significa um glutão. Ora, é sabido que glutonaria (prática de comer desenfreadamente e não ter domínio próprio sobre os alimentos) é um pecado (veja os versículos citados acima, onde glutonaria sempre é acompanhada de bebedice). Os fariseus desejam enquadrar Jesus na quebra da Lei de Deus, intentavam achar alguma falha em Cristo; mas não puderam. Vemos, nitidamente, que os homens buscaram associar o Senhor Jesus com os beberrões, quando, na verdade, Ele sempre se mostrou sóbrio - ainda que tomasse vinho.
Por fim, é medida que se impõe o fato dos cristãos atentarem para essas conclusões:
1. A Bíblia expressamente proíbe a embriaguez;
2. Possivelmente existia o vinho com e sem teor alcoólico;
3. Paulo censurou alguns crentes por causa da bebedice, mas não proibiu a bebida alcoólica.
4. Jesus tomou vinho alcoólico, pois foi associado com aqueles que praticavam pecado (implicação lógica).
Qual a conclusão bíblica? Se for escandalizar algum irmão, é melhor não tomar em sua frente e evitar conversas que versem sobre este assunto (leia 1Coríntios 8), conforme lemos: "Assim que não nos julguemos mais uns aos outros; antes seja o vosso propósito não pôr tropeço ou escândalo ao irmão. Eu sei, e estou certo no Senhor Jesus, que nenhuma coisa é de si mesma imunda, a não ser para aquele que a tem por imunda; para esse é imunda. Mas, se por causa da comida se contrista teu irmão, já não andas conforme o amor. Não destruas por causa da tua comida aquele por quem Cristo morreu" (Rm 14.13-15).
Todavia, não se deve proibir o uso daqueles que o fazem moderadamente. Assim como Paulo afirmou que poderia livremente comer carne sacrificada a ídolos, porque "sabemos que o ídolo nada é" (1Co 8.4), também se pode, livremente e com boa consciência, tomar qualquer bebida alcoólica para a glória de Deus. Paulo expressamente falou da consciência de cada crente, quando escreveu: "Bem-aventurado aquele que não se condena a si mesmo naquilo que aprova" (Rm 14.22).
Todavia, não se deve proibir o uso daqueles que o fazem moderadamente. Assim como Paulo afirmou que poderia livremente comer carne sacrificada a ídolos, porque "sabemos que o ídolo nada é" (1Co 8.4), também se pode, livremente e com boa consciência, tomar qualquer bebida alcoólica para a glória de Deus. Paulo expressamente falou da consciência de cada crente, quando escreveu: "Bem-aventurado aquele que não se condena a si mesmo naquilo que aprova" (Rm 14.22).
Respondendo algumas objeções comuns
1. A bebida destrói famílias
Resposta: Sim, isto é verdadeiro - mas carros, drogas, jogatinas e mulheres também destroem. O fato de algo ser usado para o mal, não caracteriza o mal em si mesmo. Devemos cuidar para não usar argumentos que fujam da escritura, caso contrário, vamos distorcer passagens bíblicas e tudo virará uma verdadeira anarquia.
2. A bebida mata pessoas
Resposta: Não é verdade. Uma arma de fogo não mata alguém sozinho - ela precisa ser utilizada. Ademais, devemos cuidar com a hipocrisia, pois possivelmente morrem mais pessoas devido ao alto índice de colesterol e glicose do que de cirrose.
3. A bebida faz as pessoas dirigem sem controle
Resposta: Verdade - mas a culpa, novamente, não é da bebida. Não podemos acusar a montadora Volvo por criar um carro que alcance a velocidade de 300km/h. A culpa é de quem, imprudentemente, senta ao volante e, além de violar leis de trânsito (que devem ser obedecias, veja Romanos 13), põe em risco os demais.
4. A bebida vicia
Resposta: Verdade. Todavia, isto é relativo. Inúmeras pessoas, a maioria, certamente, consegue beber socialmente. O problema, como tentei deixar evidente, é que muitos não sabem "se controlar" - e para esses é melhor não beber. O pastor Joel Beeke, em um de seus vídeos, conta a história de um membro de sua igreja que confessou "não poder escutar música country, porque lhe causava tentação". A resposta do pastor foi no sentido de pedir aos demais irmãos da igreja para não mais ouvissem este estilo na companhia do irmão. Se o Dr. Beeke tivesse afirmado que música country é pecaminosa por si mesma, então teria agido extremamente contrário às Escrituras.
5. Não há como saber quando se está embriago
Resposta: Não é verdade. A Bíblia nos diz que um dos frutos do Espírito Santo é o "domínio próprio" (Gl 5.22 - temperança, na ACF). Não há como aferir quanto cada pessoa poderá tomar. O que devemos observar é sempre a importância de abster-se "toda a aparência do mal" (1Ts 5.22). O cristão não deve se questionar até quanto pode tomar, como se desejasse chegar à beira de embriaguez, e sim o quanto pode tomar sem que dê vazão às tentações. É dever imperioso o vigiar constantemente, não o buscar chegar perto do pecado.
5. Não há como saber quando se está embriago
Resposta: Não é verdade. A Bíblia nos diz que um dos frutos do Espírito Santo é o "domínio próprio" (Gl 5.22 - temperança, na ACF). Não há como aferir quanto cada pessoa poderá tomar. O que devemos observar é sempre a importância de abster-se "toda a aparência do mal" (1Ts 5.22). O cristão não deve se questionar até quanto pode tomar, como se desejasse chegar à beira de embriaguez, e sim o quanto pode tomar sem que dê vazão às tentações. É dever imperioso o vigiar constantemente, não o buscar chegar perto do pecado.
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