A IGREJA NA IDADE MÉDIA
Heresia e a “Santa Inquisição”
Heresia - (do grego hairesis, 'escolha', pelo latino
haeresis + -ia) opinião, escolha, preferência, opção.
Em fins do século XVIII, a Igreja Católica sentiu-se
ameaçada por uma série de críticas feitas aos dogmas sobre os quais se apoiava
a Doutrina Cristã. Essas críticas e dúvidas sobre a verdade absoluta da
mensagem da Igreja aumentaram, e os indivíduos que partilhavam dessas idéias
contestadoras da doutrina oficial do catolicismo eram chamados de hereges.
A palavra herege origina da palavra grega
"hairesis" e do latim haeresis e significa doutrina contrária ao que
foi definido pela Igreja Católica em matéria de fé. No que diz respeito
propriamente ao conceito de heresia, foi aceita a definição do teólogo
medievalista M. D. Chenu, de que herege é "o que escolheu’’, o que isolou
de uma verdade global uma verdade parcial, e em seguida se obstinou na escolha.
A heresia é uma ruptura com o dominante e ao mesmo tempo é uma adesão a uma
outra mensagem. É contagiosa e em determinadas condições dissemina-se
facilmente na sociedade. Daí o perigo que representa para a ordem estabelecida,
sempre preocupada em preservar a estrutura social tradicional.
No fim do século XV, isto é, no início da época moderna, foi
criada na Espanha uma instituição, que se inspirou nos moldes das que haviam
funcionado na Europa durante a época medieval: O Tribunal do Santo Ofício da
Inquisição. O caráter cruel e desumano de seu funcionamento talvez não tenha
precedentes na história da civilização, até o surgimento do nazismo e do
imperialismo no século XX. Há contudo um fato importante que deve ser
cuidadosamente anotado para que possamos entender o complexo fenômeno da
perseguição as heresias na Espanha e Portugal: a palavra "heresia"
adquiriu com o tempo diversas conotações, e para os inquisidores portugueses
tinha um sentido muito definido e específico, que estava registrado em seus
regimentos. Diz textualmente o Regimento da Inquisição de 1640, no Livro III, p.
151: "contra os hereges e apóstolos que, sendo cristãos batizadores, deixam
de ter e confessar nossa fé católica". E também contra os indivíduos
"que confessam nela" ( na Inquisição ) "as culpas de judaísmo, ou
de qualquer outra heresia ou apostasia". E pois o português batizado, descendente
de judeus convertidos ao catolicismo e praticante secreto do judaísmo, um
herege perante a Igreja Católica em Portugal.
A Santa Inquisição
Tribunal da Igreja Católica instituído no século XIII para
perseguir, julgar e punir os acusados de heresia. A Santa Inquisição foi
fundada pelo Papa Gregório IX (1148-1241) em sua bula Excommunicamus, publicada
em 1231. Heresias são doutrinas ou práticas contrárias ao que é definido como
matéria de fé. Na época inicial da Igreja elas eram punidas com a excomunhão. Quando
no século IV o cristianismo tornou-se a religião oficial do Império Romano, os
heréticos passam a ser perseguidos como inimigos do estado.
Na Europa, entre o século XI e XV, as heresias são geradas
principalmente pelo desenvolvimento cultural, acompanhado de prosperidade
econômica e crescimento urbano. As reflexões filosóficas e teológicas da época
produzem conhecimento que contradizem a concepção de mundo defendida até então
pelo poder eclesiástico. Além disso, surgem movimentos cristãos, como os
cátaros em Albi, e os valdenses em Lyon, no sul da França, que pregam a volta
do cristianismo às origens, defendendo a necessidade de a Igreja abandonar suas
riquezas. Em resposta a essas heresias, milhares de albigenses são liquidados
por exércitos papais, entre os anos de 1208 e 1229.
A Inquisição é criada dois anos depois. A responsabilidade
pela ortodoxia da religião passa dos bispos aos inquisidores, sob a direta
jurisdição do Papa, e são estabelecidas punições severas. As penas podem variar,
desde a obrigação de fazer uma abjuração pública ou uma peregrinação a um
santuário até o confisco dos bens e a prisão em cadeia. A pena mais
severa é a prisão perpétua, mas as autoridades civis automaticamente a converte
em execução pública na fogueira ou na forca. Os heréticos não podem recorrer ao
direito de asilo, e em geral, duas testemunhas constituem suficiente prova de
culpa.
Em 1252, o Papa Inocêncio IV sanciona o uso da tortura como
método de obtenção da confissão de suspeitos. As condenações dos culpados são
lidas numa cerimônia pública no fim dos processos. É o chamado auto-de-fé. Nos
séculos XIV e XV, os tribunais da Inquisição diminuem sua atividade e são
recriados sob a forma de uma Congregação da Inquisição contra os movimentos da
Reforma Protestante e contra as "heresias" filosóficas e científicas
saídas do Renascimento. Vítimas notórias da fogueira da Inquisição são a
heroína francesa Joana D'Arc (1412-1431), executada por declarar-se mensageira
de Deus e usar roupas masculinas, e o italiano Giordano Bruno (1548?-1600), considerado
o pai da Filosofia moderna, condenado por concepções intelectuais consideradas
contrárias às aceitas pela Igreja.
Uma forma ainda mais violenta da Inquisição surge em 1478, na
Espanha, a pedido dos reis católicos Fernando e Isabel, contra os judeus e
muçulmanos, que são convertidos pela força ao catolicismo.
As Perseguições
Embora a Inquisição tenha alcançado seu apogeu no século
XIII, suas origens remontam ao século IV:
· no século X muitos casos de execuções de hereges, na
fogueira ou por estrangulamento;
· em 1198 o Papa Inocêncio III liderou uma cruzada contra os
"ALBIGENSES" (hereges do sul da França), com execuções em massa;
· em 1229, no Concílio de Tolouse, foi oficialmente criada a
Inquisição ou Tribunal do Santo Ofício, sob a liderança do Papa Gregório IX;
· em 1252, o Papa Inocêncio IV publicou o documento
intitulado "AD EXSTIRPANDA", em que vociferou: "os hereges devem
ser esmagados como serpentes venenosas". Este documento foi fundamental na
execução do diabólico plano de exterminar os hereges. As autoridades civis, sob
a ameaça de excomunhão no caso de recusa, eram ordenadas a queimar os hereges. O
"AD EXSTIRPANDA" foi renovado ou reforçado por vários papas, nos anos
seguintes: Alexandre IV (1254-1261); Clemente IV (1265-1268), Nicolau IV
(1288-1292); Bonifácio VIII (1294-1303) e outros. Inocêncio IV autorizou o uso
da tortura.
A Tortura como instrumento de Fé
Usava-se, dentre
outros, os seguintes processos de tortura: a manjedoura, para deslocar as
juntas do corpo; arrancar unhas; ferro em brasa sob várias partes do corpo;
rolar o corpo sobre lâminas afiadas; uso das "Botas Espanholas" para
esmagar as pernas e os pés; a Virgem de Ferro: um pequeno compartimento em
forma humana, aparelhado com facas, que, ao ser fechado, dilacerava o corpo da
vítima; suspensão violenta do corpo, amarrado pelos pés, provocando
deslocamento das juntas; chumbo derretido no ouvido e na boca; arrancar os
olhos; açoites com crueldade; forçar os hereges a pular de abismos, para cima
de paus pontiagudos; engolir pedaços do próprio corpo, excrementos e urina; a
"roda do despedaçamento funcionou na Inglaterra, Holanda e Alemanha, e
destinava-se a triturar os corpos dos hereges; o "balcão de
estiramento" era usado para desmembrar o corpo das vítimas; o "esmaga
cabeça" era a máquina usada para esmagar lentamente a cabeça do condenado,
e outras formas de tortura.
Com a promessa de irem diretamente para o Céu, sem passagem
pelo purgatório, muitos homens eram exortados pelos inquisidores para
guerrearem contra os hereges.
Depois de acusados, os hereges tinham pouca chance de
sobrevivência. Geralmente as vítimas não conheciam seus acusadores, que podiam
ser homens, mulheres e até crianças. O processo era sumário. Ou seja: rápido, sem
formalidades, sem direito de defesa.
A Igreja de Roma, sob o pretexto de que detinha as chaves
dos céus e do inferno e poderes para livrar as almas do purgatório e perdoar
pecados, pretendia ser UNIVERSAL, dominar as nações mediante pressão sob seus
governantes e estabelecer seus domínios por todo o Planeta.
A Proibição da
Leitura
A história dos massacres e perseguições perde-se no tempo. Quase
impossível para os historiadores é levantar o número exato ou aproximado de
vítimas da Inquisição. O banho de sangue começou na Europa, mais precisamente
em França, e se estendeu por países vizinhos. Havia, por parte da Igreja de
Roma, uma preocupação constante com a propagação do Evangelho, com o
conhecimento da Palavra, com a tradução da Bíblia em outras línguas. Preocupação
no sentido de proibir. Só pelo fato de um católico passar a ler as Escrituras
estava sujeito a ser considerado um herege e, como tal, ser excomungado e
levado à fogueira. A Bíblia era, assim, considerada um obstáculo às pretensões
da Igreja de Roma, de colocar todos os povos sob seus domínios.
Muitos meios foram usados para que a Bíblia ficasse restrita
ao pequeno círculo dos sacerdotes, dos padres, dos bispos e dos papas. Dentre
as medidas para conter o avanço da leitura, destaco alguns a seguir:
1229 - o Concílio de Tolouse (França), o mesmo que criou a
diabólica Inquisição, determinou: "Proibimos os leigos de possuírem o
Velho e o Novo Testamento... Proibimos ainda mais severamente que estes livros
sejam possuídos no vernáculo popular. As casas, os mais humildes lugares de
esconderijo, e mesmo os retiros subterrâneos de homens condenados por possuírem
as Escrituras devem ser inteiramente destruídos. Tais homens devem ser
perseguidos e caçados nas florestas e cavernas, e qualquer que os abrigar será
severamente punido. " (Concil. Tolosanum, Papa Gregório IX, Anno Chr. 1229,
Canons 14:2). Foi este mesmo Concílio que decretou a Cruzada contra os
albigenses. Em "Acts of Inquisition, Philip Van Limborch, History of the
Inquisition, cap. 08, temos a seguinte declaração conciliar: "Essa peste
(a Bíblia) assumiu tal extensão, que algumas pessoas indicaram sacerdotes por
si próprias, e mesmo alguns evangélicos que distorcem e destruíram a verdade do
evangelho e fizeram um evangelho para seus próprios propósitos... (elas sabem
que) a pregação e explanação da Bíblia é absolutamente proibida aos membros
leigos".
1866 - O Papa Pio IX, em sua encíclica "Quanta
cura", em 8 de dezembro de 1866, emitiu uma lista de oito erros sob dez diferentes
títulos. Sob o título IV ele diz: "Socialismo, comunismo, sociedades
clandestinas, sociedades bíblicas... pestes estas devem ser destruídas através
de todos os meios possíveis".
Conclusões
A simples análise da História da Idade Média até os dias de
hoje, nos mostra o quanto perniciosa e cruel tem sido as crendices em geral
para a civilização Humana. Em especial, a Igreja clássica, que através do
terror, da dominação política e econômica, impôs as trevas ao mundo ocidental. A
selvageria cometida em nome de um Deus e um Diabo criado a partir do
conhecimento dos medos mais profundos das pessoas daquela época nos releva um
passado recente cruel e irracional. A verdadeira antítese da vida, da liberdade
e do pensamento.
A demência que a Igreja semeou ao longo do mundo ocidental, através
da exportação de câmaras de torturas e bárbaros inquisidores, a procura de
pessoas que se atreviam a pensar, representou um atraso tecnológico e cultural
de pelo menos mil anos na idade cronológica do Homem.
E tudo isto podendo ser resumido a uma simples questão: ou
tema a Deus ou tema a nós. E o Diabo, afinal para que foi criado? Para que
criar mais seres demoníacos etéreos além dos já existentes na Terra?
Quando estudamos através de pesquisa séria dentro do contexto
histórico, verificamos que o segundo atraso imposto, além do atraso da própria
crendice e dos falsos dogmas criados, foi a proibição da leitura, conforme
amplamente divulgado nas encíclicas papais.
A conseqüência direta da proibição da leitura da bíblia que
a própria Igreja a escreveu, foi catastrófica em termos culturais, pois sabemos
em condições de baixo desenvolvimento econômico e social, por mais incrível e
paradoxal que possa parecer - sob a ótica do intelecto e da razão - somente
havia esta opção de leitura. Durante as Reformas que romperam estes paradigmas,
as pessoas seguindo a necessidade de enquadrar nas religiões por força de ações
sociais ou simplesmente por ignorância, forçosamente apreenderam a ler em
função da necessidade de participar dos cultos religiosos.
Finalmente, o terceiro atraso imposto foi a perseguição
sistemática e de inventores e pesquisadores que ousavam blasfemar contra seu
Deus. Quantas invenções e descobertas científicas poderiam ter sido realizadas,
se não fosse a brutal repressão da Igreja? Quantas doenças já poderíamos curar,
quantas fontes de energia limpa para o meio ambiente poderíamos estar
usufruindo?
Sem contar o papel das Igrejas no mundo atual, a propagar fé
e crenças, auxiliando as classes dominantes a manter as populações controladas
e submissas ao poder do capital e do neoliberalismo.
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