sábado, 29 de agosto de 2015

A salvação, uma dádiva a ser desenvolvida



A salvação, uma dádiva a ser desenvolvida
Referência: Filipenses 2. 12-16
INTRODUÇÃO
A teologia não é especulação filosófica; ela desemboca em vida. James Montgomery Boyce diz que a verdade conduz à ação. Ralph Martin diz que em seguida ao hino soteriológico (Fp 2.6-11), Paulo prossegue, a fim de fazer uma aplicação penetrante. “Assim, pois” é uma expressão voltada para a conclusão da seção mencionada. Paulo não está começando um novo assunto, mas fazendo uma aplicação do assunto anterior. O chamado é para a obediência.
O conhecimento e a expediência não têm nenhum valor se não nos ajudam a viver nos vales da vida e se não nos capacitam a viver em amor. Depois que Paulo tratou do exemplo de Cristo, falando acerca da sua humilhação e exaltação, volta a exortar a igreja à obediência e à unidade. Paulo é um pastor e por isso antes de exortar os crentes, revela a eles seu amor, chamando-os de “amados meus” (1.7,8; 2.12). Paulo tem tato e diplomacia ao lidar com as pessoas, especialmente quando vai exortá-las à obediência (Gl 6.1).
Destacamos três pontos importantes, à guisa de introdução:
1. O exemplo de Cristo é o nosso maior estímulo à obediência (Fp 2.12)
O problema da igreja de Filipos era a desarmonia entre os crentes produzida pelo egoísmo. Os crentes estavam se atritando a ponto de alguns trabalharem na igreja para a promoção pessoal ou o maior reconhecimento do seu grupo (Fp 2.3). A base dessa atitude mesquinha era o egoísmo (Fp 2.4). Então, Paulo fala para os crentes olhar para o exemplo de Cristo e ter o mesmo sentimento que houve nele (Fp 2.5). Depois que Paulo detalhou os estágios da humilhação e exaltação de Cristo cobrou da igreja um posicionamento. Lightfoot diz que Paulo mostrou o exemplo da humilhação de Cristo para guiá-los e o exemplo da exaltação de Cristo para encorajá-los.
A preposição “pois” no versículo 12 é um elo de ligação entre o que Paulo estava falando e o que agora vai falar. Assim como Jesus obedeceu ao Pai, os cristãos também devem obedecer. Ele está dizendo que o exemplo de Cristo, sua humilhação e a recompensa de sua exaltação são a principal razão para a igreja viver em obediência. O que nós cremos precisa refletir na maneira como vivemos. Nossa teologia precisa produzir vida.
2. A doutrina sempre tem propósitos práticos (Fp 2.12)
Essas gloriosas doutrinas expostas em Filipenses 2.5-11 têm um propósito prático. A doutrina tem a finalidade de conduzir a igreja na verdade. Ela é a base da ética e o alicerce da vida. Ainda ecoam em nossos ouvidos a verdade celestial e doce acerca do Filho de Deus que desceu da glória para a vergonha da cruz, e isso por amor de nós, pecadores. Nós somos exortados a agir à luz desse vasto e insondável amor. O ensino de Paulo nos mostra que doutrina sempre conduz ao cristianismo prático. Quanto mais estudamos teologia, mais humildes deveríamos ser. Quanto mais luz nós temos na mente, mas amor nós deveríamos ter no coração.
3. A obediência do cristão é ultracircunstancial (Fp 2.12)
Alguns crentes estavam muito dependentes da presença física de Paulo em Filipos para viverem de conformidade com a Palavra. Esses crentes sofriam de uma espécie de nostalgia, vivendo um saudosismo dos tempos áureos que Paulo esteve com eles (Fp 1.27). Mas, Paulo estava preso em Roma e eles deviam manter o mesmo compromisso, mesmo diante da sua ausência. Eles deviam colocar sua confiança em Deus e não na presença do apóstolo entre eles.
William Hendriksen diz que a obediência dos filipenses não deve ser motivada pela presença de Paulo, nem durar só enquanto ele estiver em seu meio. O cristão obedece não porque o pastor está presente, ou para agradar esse ou aquele grupo. Sua obediência independe das circunstâncias e das pessoas.
Vamos examinar esse texto e extrair dele três gloriosas verdades, acerca da nossa salvação.
I. A SALVAÇÃO RECEBIDA (Fp 2.12)
A salvação não é uma conquista do homem, mas um presente de Deus. Ela é nossa, não por direito de conquista, mas por dádiva imerecida. A salvação não é um prêmio das nossas obras, mas um troféu da graça de Deus. Há duas verdades que merecem ser destacas aqui:
1. A salvação é um presente de Deus a nós e não uma conquista nossa (Fp 2.12)
Quando o apóstolo Paulo diz: “… desenvolvei a vossa salvação…” (Fp 2.12), ele não está afirmando que ela nos pertence por direito de conquista. Ela é nossa porque nos foi dada. Ela é nossa porque um outro alguém a comprou por um alto preço e no-la deu gratuitamente. A nossa salvação foi comprada por um alto preço. Ela não foi comprada por prata ou ouro, mas pelo precioso sangue de Cristo (1Pe 1.18,19).
2. A salvação verdadeiramente nos pertence (Fp 2.12)
Muitos cristãos, por não estarem arraigados nas doutrinas da graça, ficam inseguros acerca desse ponto, pensando que a salvação nos é dada num momento e tomada em outro; que podemos estar salvos num dia e perdidos no outro. Isso é absolutamente impossível. A salvação é um presente que nos foi dado de uma vez para sempre (Rm 8.1). Uma vez salvo, salvo para sempre (Rm 8.31-39). Uma vez membro da família de Deus, jamais seremos deserdados (Rm 8.17). Uma vez ovelha de Cristo, jamais alguém poderá nos arrancar da mão de Cristo (Jo 10.28).
Paulo diz: “… desenvolvei a vossa salvação…” (Fp 2.12). O erudito na língua grega H. C. G. Moule diz que a palavra “vossa” é fortemente enfática.
II. A SALVAÇÃO DESENVOLVIDA (Fp 2.12,13)
Destacamos aqui cinco pontos importantíssimos:
1. A soberania de Deus não anula a responsabilidade humana (Fp 2.12)
Há dois equívocos muito comuns acerca da salvação: o primeiro deles é pensar que a salvação é resultado do esforço humano. A maioria das religiões prega que o homem abre o seu próprio caminho rumo a Deus. Conseqüentemente, a salvação é resultado de mero esforço humano.
O segundo equívoco é pensar que a salvação é uma parceria do homem com Deus. O sinergismo prega que a salvação é resultado da obra de Deus conjugada com a cooperação humana. O versículo 12 não diz: “trabalhai para vossa salvação”, mas “desenvolvei vossa salvação”. Ninguém pode desenvolver sua salvação a não ser que Deus já tenha trabalhado nele.
A verdade bíblica insofismável é que a salvação é obra exclusiva de Deus. Porém, o fato de Deus nos dar graciosamente a salvação, não significa que ficamos passivos nesse processo. A salvação é de Deus e nos é dada por Deus, mas nós precisamos desenvolvê-la. Corretamente Robertson afirma que a graça de Deus não é uma desculpa para não fazermos nada. Antes, ela é uma forte razão para fazermos tudo. Tanto na religião como na natureza, nós somos cooperadores de Deus (1Co 3.6-9). Nós plantamos e regamos, mas Deus dá-nos a semente, o solo, e envia o sol e a chuva e faz a semente crescer e frutificar.
H. C. G. Moule diz que a principal referência à salvação aqui é à glória final. Ela precisa ser “efetuada” na vida prática, à vista da aproximação do “dia de Cristo”, que lhes completará a salvação (Rm 13.11).
William Hendriksen interpreta corretamente quando diz que a palavra “desenvolvei” traz a idéia de um esforço contínuo, vigoroso, estrêmuo: “Continuem a desenvolver”. Embora, somos salvos de uma vez por todas quando cremos em Jesus, os crentes não são salvos de um só golpe (por assim dizer). Sua salvação é um processo (Lc 13.23; At 2.47; 2Co 2.15). É um processo no sentido em que eles mesmos, longe de permanecerem passivos ou inativos, tomam parte ativa. É um prosseguir, um seguir após, um avançar com determinação, uma contenda, uma luta, uma corrida (Rm 14.18; 1Co 9.24-27; 1Tm 6.12).
Warren Wiersbe ainda nos ajuda na compreensão desse verbo “desenvolvei”. Ele diz que esse verbo tem o sentido de “trabalhar até a consumação”, como quem trabalha em um problema de matemática até chegar ao resultado final. No tempo de Paulo, esse termo também se referia a “trabalhar em uma mina” extraindo dela o máximo possível de minério valioso, ou “trabalhar em um campo” obtendo a melhor colheita possível. O propósito que Deus deseja que alcancemos é a semelhança a Cristo (Rm 8.29).
Recebemos de graça essa gloriosa propriedade, porém, agora, precisamos cultivá-la. Não a cultivamos para possuí-la, mas porque a possuímos. F. F. Bruce está correto quando diz que neste contexto, Paulo não está exortando cada membro da igreja a empenhar-se na obra de sua salvação pessoal; Paulo está pensando na saúde e bem-estar geral da igreja como um todo. Cada crente, e todos os crentes, num corpo só, precisam prestar atenção a este fato.
Conforme já temos analisado, a palavra traduzida por “desenvolvei” no versículo 12, o verbo grego katergazesthai, sempre leva inerente a idéia de levar a cabo, de fazer uma coisa em forma plena, completa e perfeita de modo que seja terminada e concluída. O caminho da salvação foi delineado no hino soteriológico (Fp 2.6-11). Resta aos filipenses aplicá-lo em sua vida coletiva a fim de resolver as rivalidades e desavenças e crescerem na graça.
2. A posse e o desenvolvimento da salvação produz reverência e não relaxamento (Fp 2.12)
Quando Paulo fala em “temor e tremor” não está falando de temor servil. Este não é o temor de um escravo se arrastando aos pés do seu senhor. Não é o temor ante a perspectiva do castigo. Deus não é um xerife ou guarda cósmico diante de quem devemos ter medo; nem, também, é um pai bonachão e complacente; ao contrário ele é majestoso, santo, e misericordioso. Nosso grande temor deve ser em ofendê-lo e desagradá-lo, depois de ele ter nos amado a ponto de nos dar seu Filho para morrer em nosso lugar.
Nessa mesma linha de pensamento, F. F. Bruce escreve: É evidente que a atitude recomendada pelo apóstolo aqui nada tem que ver com o terror servil; o apóstolo tranqüiliza os crentes de Roma, dizendo: “não recebestes o espírito de escravidão para outra vez estardes em temor” (Rm 8.15). Trata-se, antes, de uma atitude de reverência e profundo respeito, na presença de Deus, de extrema sensibilidade à sua vontade, de consciência de nossa responsabilidade à vista de havermos de prestar contas perante o tribunal de Cristo.
Lightfoot diz que esse temor é uma espécie de ansiedade para fazer o que é certo. Robertson corretamente afirma que as pessoas hoje não tremem na presença de Deus e tem um fraco senso de temor. O grande sermão de Jonathan Edwards “pecadores nas mãos de um Deus irado” não encontraria eco nos dias de hoje. Nós vivemos numa geração extremamente complacente. Ficaram para trás os dias em que os Puritanos falavam em agonia de arrependimento.
As pessoas que mais tiveram intimidade com Deus, mais se prostraram reverentes aos seus pés. Aqueles que tiveram uma visão da sua glória; caíram prostradas ao chão perante o fulgor da sua glória. Hoje, muitos demonstram intimidade com Deus em palavras, mas uma imensa distância dele na vida.
3. O desejo pela salvação é obra de Deus em nós (Fp 2.13)
O apóstolo Paulo esclarece: “Porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar…”. Ralph Martin diz que não ficamos entregues a nós mesmos, nesta tarefa, pois Deus é quem efetua em nós tanto o querer como o realizar.
William Barclay diz que Deus é quem desperta o desejo dele em nossos corações. É verdade que “nossos corações estão inquietos até que descansam nele” e também que “nem sequer podemos começar a buscá-lo a não ser que ele já nos tenha encontrado. O começo do processo da salvação não depende de nenhum desejo humano; só Deus é quem pode despertá-lo.
F. F. Bruce corretamente afirma que o Espírito realiza o que a lei não consegue realizar: a lei podia dizer às pessoas o que deveriam fazer, mas não podiam suprir-lhes o poder, nem mesmo a vontade de fazê-lo; o Espírito supre ambas as coisas (Rm 8.3,4; 2Co 3.4-6). Através do Espírito Santo, Deus “energiza” e “capacita” seu povo para as tarefas que ele deseja que ele faça (1co 12.4-7). Deus dá o desejo e a habilidade. Deus trabalha nos crentes e os crentes trabalham para Deus. Os crentes se tornam cooperadores com Deus.
Não há nenhum desejo em nós por Deus e pela sua obra que não proceda do próprio Deus. Mesmo quando estamos desenvolvendo a nossa salvação, temos consciência de que é Deus quem está operando em nós mediante o seu Espírito. Em última instância, não somos nós que estamos trabalhando, mas Deus em nós e através de nós.
O trabalho de Deus começa com a nossa vontade e a vontade precede a ação. À parte da obra de Deus em nosso coração jamais teremos a vontade livre quando se trata de realidades espirituais. Na verdade não temos vontade livre em nenhuma coisa que envolva nossa capacidade física, intelectual, e espiritual. Não temos capacidade de decidir por nós mesmos ter cinqüenta por cento a mais de Q. I. Não temos capacidade de decidir ter dez centímetros a mais em nosso tamanho. Não temos capacidade de correr cem metros em oito segundos. Não temos capacidade de nos tornar fisicamente belos como os grandes astros de cinema. De igual modo, não temos capacidade de escolher Deus. Somente Adão antes da queda teve livre arbítrio. Somos como um homem à beira de um profundo abismo. Enquanto estivermos na beira do abismo temos livre vontade. Mas, se cairmos nele, não teremos condições, de por nosso próprio esforço, sairmos de lá. Desde a queda de Adão todos nós nascemos com a total incapacidade de escolhermos a Deus. Ninguém jamais pode desejar a Deus sem que primeiro Deus predisponha sua vontade. Ninguém pode fazer a vontade de Deus a não ser que o próprio Deus venha e o tire do abismo e lhe diga: “Este é o caminho, andai por ele”.
Werner de Boor coloca essa sublime verdade de forma esclarecedora, como segue: Realmente, nenhum de nós poderá ter no coração o menor anseio por salvação se Deus não nos despertar previamente da condição de “mortos em delitos e pecados” (Ef 2.1) e nos atrair para a salvação. A cada um, porém, em quem Deus realizou isso, cumpre dizer agora com máxima seriedade: não brinque com essa salvação, siga-a realmente, não deixe escapar essa hora da graça, justamente porque ela não é apenas seu próprio “estado de ânimo”, sua própria ‘idéia”, mas a atuação decididamente divina em seu coração. O querer gerado por Deus – que responsabilidade isso traz para nós! Realmente só podemos aproveitar esse querer “com temor e tremor, em sagrada seriedade!
4. A continuação do processo da salvação também é obra de Deus em nós (Fp 2.13)
William Barclay diz que a continuação desse processo depende de Deus: sem sua ajuda não se pode fazer nenhum progresso no bem; sem sua ajuda nenhum pecado pode ser vencido. Somente por meio da ação de Deus em nós podemos superar o mal e praticar o bem. A verdadeira vida cristã não pode permanecer no mesmo lugar; deve estar em contínuo progresso.
O apóstolo Paulo diz que Deus é quem efetua em nós tanto o querer como o realizar (Fp 2.13). Não apenas o desejo, mas também toda obra realizada em nós é ação divina.
A palavra grega usada por Paulo aqui é energein. William Barclay diz que sobre esse verbo precisamos notar duas coisas importantes: sempre se usa com respeito à ação de Deus; e sempre se aplica a uma ação eficaz. Todo o processo da salvação é uma ação de Deus e esta ação é eficaz porque é sua ação. A ação de Deus não pode ser frustrada nem ficar inconclusa; deve ser plenamente concluída.
William Hendriksen diz que se não fosse o fato de Deus estar agindo em nós, jamais poderíamos desenvolver a nossa salvação. Ele ilustra essa verdade assim: O ferro elétrico é inútil a menos que seu plugue esteja acoplado à tomada. À noite não haverá luz na sala a menos que a eletricidade flua pelos fios de tungstênio para dentro da lâmpada, cada filamento mantendo contato com os cabos que vêm da fonte de energia. As rosas do jardim não podem alegrar o coração humano com sua beleza e fragrância a menos que extraiam sua virtude dos raios solares. Melhor ainda: “Como pode o ramo produzir fruto de si mesmo, se não permanecer na videira; assim, nem vós podeis dar, se não permanecerdes em mim” (Jo 15.4). Assim também os filipenses só poderão operar sua própria salvação permanecendo num vivo e ativo contato com seu Deus.

5. A obra da salvação é resultado da vontade de Deus (Fp 2.13)
A salvação é realizada por Deus em nós não contra sua vontade, mas em consonância com ela. A nossa salvação é resultado da expressa vontade soberana de Deus. Tudo provém de Deus. Nossa salvação tem início e consumação na boa, perfeita e agradável vontade de Deus.
III. A SALVAÇÃO DEMONSTRADA (Fp 2.14-16)
O apóstolo Paulo esteve falando na necessidade de obediência na tarefa de “desenvolver” a salvação (Fp 2.12). A obediência, porém, pode ser de bom grado ou de má vontade. Esta última é uma espécie de obediência que equivale à desobediência. Pedro fala da prática da hospitalidade enquanto se lastima (1Pe 4.9). Agora, Paulo exorta: “Fazei tudo sem murmurações nem contendas” (Fp 4.14).
1. A salvação é demonstrada através de relacionamentos transformados (Fp 2.14)
Paulo retorna ao problema básico descrito nos versículos 1 a 4. Os crentes da igreja de Filipos estavam fazendo as coisas com a motivação errada (Fp 2.3,4). Eles estavam trabalhando, mas sem sintonia uns com os outros. Havia partidarismo e discordância entre eles. A igreja estava dividida. Paulo, então, exorta os crentes, dando-lhes duas ordens. Os dois pecados mencionados são exatamente aqueles que macularam o povo judeu em sua travessia do deserto (Ex 16.7; Nm 11.1).
J. A. Motyer diz que contenda refere-se a uma atitude interna, ou seja, uma atitude e atividade da mente e do coração enquanto murmuração é algo externo, aquilo que manifestamos proveniente do coração e da mente. Assim, esses dois pecados cobrem todos os nossos pensamentos e ações em relação às outras pessoas. Nessa mesma trilha de pensamento Lightfoot diz que murmuração é um pecado moral e contenda é um pecado de rebelião intelectual contra Deus. Como a igreja devia demonstrar sua salvação através de seus relacionamentos?
Em primeiro lugar, eles deviam fazer tudo sem murmurações (Fp 2.14). A palavra que Paulo usa para “murmuração” é goggysmos. Ela evoca o murmúrio de rebelião e infidelidade dos filhos de Israel em sua peregrinação pelo deserto (1Co 10.10). Os israelitas murmuraram contra Deus e contra Moisés. Eles reclamavam reiteradamente das privações, dizendo que jamais deveriam ter deixado o Egito (Nm 11.1-6; 14.1-4; 20.2; 21.4,5). Moisés os descreveu como “geração perversa e depravada” (Dt 32.5). Quando o povo estava no Egito eles murmuravam porque estavam no Egito. Quando eles saíram do Egito eles murmuravam porque saíram do Egito. Eles murmuraram porque não tinham nada para comer. E quando Deus providenciou milagrosamente o maná para eles comerem, eles murmuraram porque não tinham carne. Eles murmuraram durante quarenta anos no deserto e quando chegaram na terra prometida, ainda continuaram murmurando. Muitos de nós somos como eles. Deus nos abençoa, mas há algumas coisas que nós não gostamos. Deus então nos abençoa mais, e nós ainda continuamos murmurando.
Em segundo lugar, eles deviam fazer tudo sem contendas (Fp 2.14). A palavra “contendas” no grego é dialogismoi. Essa palavra descreve as disputas e debates inúteis e até mal intencionados que engendram dúvidas e vacilações. Essa palavra tem uma conotação legal de “dissensões”, “litígios” e indica que os filipenses estavam apelando até para tribunais pagãos para resolver suas diferenças (1Co 6.1-11).
Porque murmurações e contendas são atitudes tão reprováveis? Primeiro, essas atitudes são completamente opostas à atitude de Cristo (Fp 2.5). Segundo, essas atitudes obstaculizam a causa de Cristo entre os descrentes. Se tudo que as pessoas conhecem sobre a igreja é que seus membros vivem constantemente murmurando e contendendo, eles terão uma impressão negativa de Cristo e do evangelho. Terceiro, provavelmente mais igrejas se dividiram, ainda hoje, por causa de contendas do que por causa de heresias.
2. A salvação é demonstrada através de uma conduta irrepreensível (Fp 2.15a).
O apóstolo Paulo detalha sobre a conduta irrepreensível, abordando três pontos importantes:
Em primeiro lugar, os crentes devem se tornar irrepreensíveis. A palavra grega usada por Paulo para “irrepreensíveis” é amemptos e expressa o que o cristão é no mundo. Sua vida é de tal pureza que ninguém encontra algo nele que se constitua uma falta. O cristão deve ser não apenas puro, mas viver uma pureza que seja vista por todos. O cristão deve refletir o caráter de seu Pai, a ponto de viver de tal maneira que ninguém pode lhe apontar um dedo acusador (Mt 5.13,45,48).
Em segundo lugar, os crentes devem se tornar sinceros. A palavra grega para “sinceros” é akeraios. Ela expressa o que o cristão é em si mesmo. Essa palavra significa literalmente “sem mescla”, “não adulterado”. Essa palavra era usada para referir-se ao vinho ou leite puros ou sem mistura de água. Essa palavra era usada também no vocabulário da primitiva metalurgia para falar do ouro puro, do bronze puro ou qualquer metal sem impureza. Essa palavra era usada também para o barro puro utilizado na confecção de vasos. Nos tempos antigos alguns oleiros cobriam de cera as trincas dos vasos e enganavam os compradores. Esses vasos, ao serem expostos à luz do sol; a cera derretia e logo apareciam os defeitos. Então, os compradores passaram a exigir vasos sem cera. Daí foram cunhadas as palavras: sincero e sinceridade, ou seja, sem cera.
Jesus usou essa palavra quando disse que seus discípulos deveriam ser inocentes como as pombas (Mt 10.16) e Paulo a usou quando disse que devemos ser símplices para o mal (Rm 16.19). O apóstolo Paulo diz que devemos viver assim no meio de uma geração pervertida e corrupta (Fp 2.15) como Daniel viveu na Babilônia cheia de deuses pagãos, numa cultura pagã, sem se misturar e sem se contaminar.
Em terceiro lugar, os crentes devem se tornar filhos de Deus inculpáveis no meio de uma geração pervertida. A palavra grega para “inculpáveis” é amomos. Ela descreve o que o cristão é na presença de Deus. O termo se vincula particularmente com os sacrifícios. Aplicado a um sacrifício significa “imaculado”. A pureza do cristão deve ser tal que suporte o juízo de Deus. A vida do cristão deve ser tal que possa ser oferecida a Deus como um sacrifício sem mácula.
É importante ressaltar que a vida cristã não é vivida num estufa espiritual, numa redoma de vidro, mas no meio de uma geração pervertida. Não é ser sal no saleiro nem luz debaixo do alqueire. Bruce Barton corretamente interprete esse fato, quando escreve:
Enquanto crentes nós somos desarraigados desde mundo perverso (Gl 1.4). Porque na verdade nós não somos do mundo (Jo 17.16). Ao mesmo tempo não somos removidos fisicamente do mundo (Jo 17.15). Nós estamos no mundo, com a missão de no mundo anunciar as boas novas do evangelho (Jo 17.18). Assim, também, a igreja de Filipos precisava completar sua missão no mundo, vivendo como filhos de Deus inculpáveis no meio de uma cultura depravada e pervertida.
3. A salvação é demonstrada através de um testemunho notável (Fp 2.15b)
Os crentes são exortados a brilhar como astros celestes neste mundo tenebroso (Mt 5.14-16). A palavra grega que Paulo usa para “luzeiros” é phosteres. Lightfoot diz que essa palavra é usada quase que exclusivamente para os astros celestes, exceto quando seu uso é metafórico, como neste texto. Essa é a palavra usada na versão grega de Gênesis 1.14-19 para referir-se ao sol, à lua e às estrelas que o Criador espalhou pela abóbada celeste no quarto dia. Tais luminárias não brilham para si mesmas; brilham a fim de prover luz para o mundo todo. O mesmo deveria ser verdade a respeito do crente: ele vive para os outros. A igreja tem sido chamado de clube que existe para o benefício dos que não são sócios.
A vida da igreja no mundo é comparada à influência da luz num lugar escuro. Robertson diz que toda igreja é uma casa de luz em um lugar de trevas. Quanto mais escuro é um lugar, mais a luz é necessária.
Bruce Barton diz que o nome dado à estrela mais brilhante da noite é Sirius, da constelação de “Canis Major” e a mais brilhante estrela do dia é o sol. Paulo tira uma lição dos astros celestes quando compara os crentes como as estrelas e a sociedade como a escuridão do universo. Na única outra passagem que usa esta palavra aparece no Novo Testamento, há a descrição da cidade santa, que reflete a glória de Deus como a luz de uma jóia (Ap 21.11).
É digno de nota que Paulo não admoesta os cristãos a se isolarem do mundo nem a viverem em “quarentena espiritual”. Os fariseus eram tão alienados e isolados da realidade que desenvolveram uma justiça própria artificial, inteiramente distinta da justiça que Deus desejava que cultivassem em sua vida. Em decorrência disso, sujeitaram o povo a uma religião de medo e de servidão e crucificaram a Cristo, porque ele ousou opor-se a esse tipo de religião.
4. A salvação é demonstrada através de uma fidelidade inegociável (Fp 2.16)
O apóstolo Paulo enfatiza aqui duas coisas importantes: Em primeiro lugar, a necessidade de a igreja preservar a palavra da vida. A Palavra de Deus é singular. Ela não se assemelha aos demais livros. Ela é viva (Hb 4.12). Ela é a palavra da vida (Fp 2.16). Ela é espírito e vida (Jo 6.63). Ela é a palavra da vida porque proclama a verdadeira vida que se encontra em Cristo. A palavra grega usada para “preservar” epechein foi usada na cultura secular para oferecer vinho a um hóspede. Os filipenses deveriam oferecer o evangelho ao mundo moribundo, porque somente o evangelho oferece vida abundante e eterna. A palavra da vida não é para ser retida, mas compartilhada. O ensino de Paulo não é para a igreja se refugiar entre quatro paredes, isolando-se do mundo; ao contrário, o projeto de Deus é que a igreja brilhe como estrelas numa noite trevosa e leve ao mundo a palavra da vida.
Em segundo lugar, a necessidade da igreja trabalhar enquanto é tempo. Paulo deixa bem claro que ele enfrentará “o dia de Cristo” com muita confiança, desde que seus convertidos permaneçam firmes e viram de modo que tragam crédito ao evangelho que lhes pregou. Tem você investido na vida e outras pessoas? No dia de Cristo você terá a alegria de apresentar a Deus os frutos do seu trabalho? Ou você comparecerá diante dele de mãos vazias?
Rev. Hernandes Dias Lopes

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