domingo, 23 de agosto de 2015

Jogos de Azar e o Cristão - Parte II



Jogos de Azar e o Cristão - Parte II
Por Eduardo Feldberg - Março/2009
(Continuação...) 
4) O QUE A BÍBLIA DIZ A RESPEITO?
Muitos declaram a condenação bíblica aos Jogos de Azar, e afirmam, como aquele apresentador que mencionei no início, que a Palavra de Deus é veementemente contra a jogatina, porém, em nenhum versículo a Bíblia cita essa condenação, e nem mesmo essa prática. Nem sequer a palavra “jogo” é mencionada nas versões originais das Escrituras. A única referência a algo parecido ocorre em Mateus 27.35, quando os soldados “jogaram sortes” para decidir quem ficaria com a túnica de Jesus. Em outras passagens, vemos pessoas “lançando sortes”, como nos casos de Levíticos 16.8, Neemias 11.1, Jonas 1.7 e Atos 1.26, porém, esta prática de jogar sortes ou lançar sortes era permitida por Deus, para que o povo descobrisse Sua vontade (Provérbios 16.33), numa época em que o Espírito Santo ainda não havia sido derramado, e não como uma forma de jogo ou distração, portanto não se deve assimilar estes exemplos bíblicos a estas práticas. Há também pessoas que se valem dos versículos 11 e 12 de Isaías 65, dizendo que ali há uma condenação à prática do jogo, mas não é o caso. “Sorte” e “Destino” são os nomes de um deus e uma deusa pagãos, e o pecado condenado ali é o da idolatria, não o da jogatina. Basta analisar o contexto dos versículos para verificarmos o real motivo da repreensão. Sendo assim, em nenhum lugar a Bíblia condena de forma clara e explícita a prática de jogos.

                Pesquisando sobre o assunto em outros livros e autores cristãos, não encontrei nenhum texto histórico cristão relevante que aborde este assunto, exceto o Catecismo da Igreja Católica, que afirma no parágrafo 2413 que “Os jogos de azar (jogos de cartas, etc.) ou as apostas, em si, não são contrários à justiça. Tornam-se moralmente inaceitáveis quando privam a pessoa daquilo que lhe é necessário para suprir suas necessidades e as dos outros.”. Em outras palavras, segundo o entendimento da Igreja Católica, os jogos de azar só se tornam prejudiciais quando o jogador perde o controle, e passa a gastar o que não deve com esta prática, como o dinheiro destinado à alimentação, suprimento, roupas suas e/ou de seus familiares. O parágrafo prossegue, informando que “A paixão pelo jogo corre o risco de se transformar em uma dependência grave. Apostar injustamente ou trapacear nos jogos constitui matéria grave, a menos que o dano infligido seja tão pequeno que aquele que o sofre não possa razoavelmente considerá-lo significativo.", dando a entender que o jogo de azar pode se tornar uma compulsão psicológica ou vício, e que é um erro grave valer-se da trapaça ou injustiça nestes jogos, de modo a prejudicar os jogadores. No livro “Teologia Moral”, do Padre Teodoro da Torre, o autor afirma que “o jogador tem a livre propriedade da coisa jogada, desde que não seja engano ou fraude, e que o perigo de perder seja igual para ambas às partes.". Resumindo, a posição da Igreja Católica é que os jogos de azar não são pecados em si mesmos, mas podem se tornar um quando geram prejuízos ao jogador ou seus dependentes, quando envolvem trapaças e injustiças, ou quando se tornam um vício, uma prática descontrolada e imoderada!

O fato é que, como já disse, em nenhum lugar a Bíblia condena claramente essa prática, então teremos que recorrer ao texto de 1 Coríntios 6.12, que nos afirma que todas as coisas nos são lícitas, mas nem todas nos convêm! Como descobriremos se os jogos nos convêm ou não? Em alguns casos, a Bíblia é direta e contundente ao condenar uma prática, mas em outros, como a jogatina, ela não é clara e objetiva, de forma que precisemos deduzir a conveniência disto com base em outros princípios que a Palavra abertamente aprove ou reprove. Vou enumerar alguns deles:

  • Não devemos prosseguir em algo que nos domine, que fuja do nosso controle (1 Coríntios 6.12)
  • Não devemos deixar a ganância contaminar nosso coração (Colossenses 3.5; Tito 1.7)
  • Não devemos amar o dinheiro (Eclesiastes 5.10; 1 Timóteo 6.8-10)
  • Não devemos gastar dinheiro naquilo que não nos é realmente útil e que não agrada a Deus. (Isaías 55.2)
  • Não devemos viver tentando enriquecer facilmente, sustentando a vadiagem. O padrão bíblico é conquistar nosso dinheiro com o trabalho. (Gênesis 3.19; 2 Tessalonicenses 3.10, 11; Prov. 13.11; 21.25)
  • Não devemos confiar no homem, nas probabilidades casuais e promessas humanas. O cristão deve ter sua fé sempre em Deus. (Jeremias 17.5-8)
  • Não devemos desrespeitar as autoridades que Deus estabelece sobre nós. Se o tipo de jogo que você pretende jogar é proibido pelas leis de sua cidade, não jogue! (Romanos 13.1-2)


Partindo disto, um jogador pode não estar infringindo nenhum mandamento divino, se puder afirmar com sinceridade, honestidade, e, de preferência, com a confirmação de alguma pessoa próxima, que não incide em nenhum destes erros. Seguem alguns exemplos de confrontações, com uma resposta válida:


Confronto 1: Você não pode jogar, pois isso te domina!
Resposta: Não sou um viciado no jogo, e tenho plena consciência de que posso parar com esta prática a qualquer momento! Ajo com absoluta sobriedade e moderação, e me sinto tranquilo com isso.

Confronto 2: Você não pode jogar, pois está caindo no erro da ganância!
Resposta: Não sou ganancioso, tampouco caio no erro da ambição desenfreada quando jogo. Apenas jogo, pois há uma possibilidade, ainda que remota, de conseguir um dinheiro, e não vejo mal nisso.

Confronto 3: Você não pode jogar, pois ao fazer isso, mostra que ama o dinheiro, e isso é pecado!
Resposta: A Bíblia diz em 1 Timóteo que o amor ao dinheiro é pecado, no sentido de que as pessoas que o colocam em primeiro lugar, acima de todas as coisas, fazem dele um ídolo em seus corações, e não é o meu caso. É absolutamente normal gostar de dinheiro, afinal, ele nos proporciona muitas coisas boas, mas o erro ali é o da idolatria, e não o simples gostar de dinheiro, afinal, se fosse assim, ninguém poderia desejar um aumento salarial, visando ter mais dinheiro! Eu gosto do dinheiro, como todo mundo, mas apesar disso, não o coloco acima de Deus, das pessoas e das demais coisas que precisam ser priorizadas.

Confronto 4: A Bíblia diz em Isaías 55.2 que não devemos gastar nosso dinheiro naquilo que não é pão!
Resposta: Então você está pecando quando compra uma margarina. Se comprar uma Nutella, então, já estará praticamente no inferno! Precisamos compreender as Escrituras, e o correto significado de seus textos. O que este versículo, superficialmente, quer dizer, é que devemos gastar com sabedoria, nas coisas que realmente nos são importantes, mas o sentido mais aprofundado do texto nada tem a ver com compras financeiras, comércios, mas sim com a disponibilidade das coisas de Deus, que não têm custo algum, em contraste com as futilidades e inutilidades que os exilados priorizavam. Tem a ver com as coisas espirituais, da parte de Deus, em contraste com as coisas temporais deste mundo, que estavam sendo mais buscadas pelo povo de Deus do que as coisas do Reino. A própria Bíblia não nos condena a gastar com coisas que nos satisfaçam. Em Eclesiastes 3.13, lemos que é bom que o homem se beneficie, e desfrute do bem que seu trabalho lhe proporciona, então não faz sentido dizer que temos que gastar apenas com o necessário para nossa subsistência. Isso é um clássico erro de exegese.

Confronto 5: Você quer ficar rico ganhando na Mega Sena, e isso é um exemplo de vadiagem e preguiça.
Resposta: Meu amigo, caso não saiba, eu tenho um emprego, labuto diariamente, sustento minha família, e graças a Deus, tenho prosperado. Estou apenas jogando porque gosto, e não porque sou um preguiçoso. Não estou desperdiçando rios de dinheiro com isso, mas de forma controlada, estou gastando uma pequena quantidade de dinheiro para algo que pode me dar um retorno. Se der, amém, se não der, amém também. Não estou acabando com a minha vida, mas apenas jogando três reais num jogo, assim como outros gastam quantias muito maiores em outros jogos.

Confronto 6: Você não confia em Deus, não? Acha que seu sustento virá de um jogo? Isso é pecado!
Resposta: Minha confiança está sempre em Deus, e tão somente n’Ele, e não estou jogando porque confio no jogo, no homem, ou em quem quer que seja, mas apenas pela possibilidade de ganhar algo. Além disso, creio que Deus pode se valer dos meios que quiser para nos abençoar. Na Bíblia, vemos o Senhor usando muitas vezes pessoas ímpias para abençoar as justas, e não vejo mal em Deus me fazer ganhar na Loteria, caso Ele ache que eu não me desvirtuaria com esse enriquecimento. Minha confiança está sempre n’Ele, e esta prática não pode provar o contrário, a não ser na sua cabeça.

Confronto 7: Você não pode jogar porque jogos de azar são proibidos por lei!
Resposta: De fato, alguns jogos são proibidos, mas o tipo de jogo que pratico não é um destes. No Brasil, é proibida a prática de “jogo do bicho”, “caça-níquel”, mas os jogos que pratico não estão entre os jogos proibidos por lei, portanto não estou indo contra as autoridades estabelecidas por Deus sobre meu país.


Enfim, há muitos argumentos, e não estou escrevendo isso por ser cegamente a favor de jogos, mas sim, porque estes confrontos são comumente usados por cristãos, mas muitas vezes podem não ser meios razoáveis para se tentar evitar a prática do jogo, e como a própria Bíblia nos diz, muitas vezes os filhos das trevas são mais astutos que os filhos da luz (Lucas 16.8). Os anticristãos estão sempre atentos, e têm sempre boas respostas para desequilibrar os cristãos, então se usarmos argumentos deficientes, irracionais e/ou mal aplicados, logo perderemos a razão e a posição. Você pode até discordar de uma, ou de todas as respostas acima, mas de modo geral, precisa ter algo que fundamente sua posição, afinal, se uma pessoa gosta de jogos, mas não incide em nenhum destes atos que a Bíblia condena, não há motivos claros e evidentes para a proibição desta prática.

Alguém pode se valer do bom e velho divisor de águas: “- Jesus faria isso?”, mas neste caso, algumas pessoas podem achar que Ele faria, outros podem achar que não. Da mesma forma, muitos cristãos podem achar que o “Dono do Ouro e da Prata” gastaria R$60,00 para comer fora, enquanto outros acham que “Jesus, o Servo” jamais faria isso. Alguns vanguardistas podem afirmar, sem titubear, que o “Vingador” treinaria Jiu-Jítsu, enquanto outros mais tradicionais assegurarão que o “Príncipe da Paz” jamais cometeria tal delito. Se perguntarmos a um crente avivado se Jesus faria anotações nas páginas de uma Bíblia, ele provavelmente dirá que sim, mas alguns ortodoxos acham que tal prática torna os rabiscadores réus do inferno, pois Cristo jamais faria isso. Enfim, muitas vezes a resposta à pergunta “- Jesus faria isso?” se torna pessoal e sugestiva, variando conforme o contexto das pessoas, mas de modo geral, embora não seja infalível em todos os casos, é um bom método para se conhecer a vontade de Deus, quando acompanhado de uma vida íntegra, correta e temente a Deus, fruto de uma alma transformada e de uma mente renovada, que pensa com a mente de Cristo! (Romanos 12.2; 1 Coríntios 2.16)

Resumindo, a prática do jogo, bem como qualquer outra prática, seja de jogos, de ações, de conduta, se tornará um pecado em nossa vida se incidir em algum destes princípios, ou seja, se jogarmos ou agirmos:

  1. Descontroladamente;
  2. De forma gananciosa, querendo enriquecer “custe o que custar”;
  3. Por priorizarmos e amarmos o dinheiro acima de tudo;
  4. Gastando nosso dinheiro inútil e levianamente com essas práticas;
  5. Visando enriquecer sem termos que trabalhar, acobertando a vadiagem;
  6. Crendo que só assim nossos problemas se acabarão, e nossa vida mudará e terá sentido;
  7. Em desobediência às leis civis. (Porém, “mais importa obedecer a Deus do que aos homens.” - At. 5.29)


A Palavra nos diz que devemos fazer tudo com a consciência tranquila, sem condenarmos a nós mesmos (1 João 3.21). Em Romanos 14.23, Paulo nos diz que “tudo que não provém da fé é pecado”, e no texto original deste versículo, a palavra fé pode ser substituída por convicção, justamente no sentido de que devemos sempre agir com confiança e sabedoria, não com dúvida ou incerteza. Em outras palavras, como disse ninguém menos que D. L. Moody em seu extenso Comentário Bíblico, “[Neste contexto de Romanos 14] Convicção é a certeza de que um padrão está certo. Sem uma base adequada para julgamento, o crente pode estar convicto do pecado por causa de sua consciência, onde o pecado realmente não está envolvido. É altamente importante que o crente tenha um padrão correto para a sua consciência, e que ajude os seus companheiros crentes a alcançarem também esse padrão.” Ou seja, precisamos ter certeza de que o que estamos fazendo ou afirmando é correto, pois se não tivermos, podemos estar “pecando sem saber”, e essa certeza deve vir das Escrituras, e da sabedoria que Deus dá aqueles que lhe pedem. (Tiago 1.5)

Para alguns, mesmo após tantas análises, o jogo de azar é sempre errado, e não se fala mais nisso, mas se estas pessoas não puderem provar isso de forma clara e coerente, essa consideração será apenas o fruto de um mero juízo de valores, ou seja, de uma opinião ou posição sobre a correção ou incorreção de algo, com base num ponto de vista estritamente pessoal, e isso não é suficiente para determinar muita coisa.

Se você percebe que não cai nestes erros, e mesmo após orar, entende que não está errando e sente a paz de Cristo em seu coração, vá em frente! (João 14.26; 1 João 2.27; Colossenses 3.15) Todo aquele que, com sinceridade, busca fazer a vontade de Deus, é guiado pelo Espírito, e Ele os leva à verdade. Muitos fazem coisas bizarras e dizem que não veem mal naquilo, mas provavelmente é porque não buscaram de fato a vontade boa, perfeita e agradável do Senhor, ou não deram atenção à direção do Espírito Santo. Por outro lado, aqueles que buscam a Deus de coração, e desejam realmente fazer Sua vontade encontrarão o caminho, afinal, como o próprio Jesus nos disse, e o apóstolo João reiterou, o Espírito Santo nos guiará a toda à verdade, e Sua unção sobre nós nos ensinará todas as coisas. (João 16.13 / 1 João 2.27) Desta forma, concluo que o Jogo de Azar só é um pecado se contrariar algum destes princípios supracitados.



5) HÁ JOGOS DE AZAR APROPRIADOS PARA OS CRISTÃOS?


Se você é um cristão (ou mesmo um não cristão), e não sabe se está errando ou não ao jogar, reflita consigo mesmo, e certifique-se de que você:


  1. Não está colocando em risco seu patrimônio;
  2. Não está viciado, e consegue parar a qualquer momento com esta prática;
  3. Não está apegado ao dinheiro, colocando-o em primeiro lugar;
  4. Não está tendo gastos excessivamente inúteis e medíocres;
  5. Não está ambicionando uma “vida fácil”, para não ter que trabalhar;
  6. Não está colocando sua confiança e seu futuro nas mãos de homens, ou probabilidades matemáticas;
  7. Não está desobedecendo às leis civis de onde vive.


Se não está caindo nestes erros, nada há na Bíblia que te proíba de jogar. Alguém pode pensar:

- Nossa, Eduardo, mas sobra alguma coisa, então?

Sim! Todos os tipos de sorteios e jogos nos são lícitos, mas apenas alguns nos convêm. Campanhas como:


  • “Preencha e Concorra”;
  • “Crie um Desenho e Participe”;
  • “As 10 Melhores Frases Levarão um Playstation”;
  • “Participe do nosso Quizz e Aguarde!”;
  •  “Indique um Amigo e Torça”;
  • “Cadastre-se em nosso Site e Ganhe”.


São tipos de jogo de azar facilmente “admissíveis”, por assim dizer, pois não nos possibilitam prejuízos e, normalmente não furam a peneira de parâmetros acima. Além destes, outros tipos de jogos em que os custos não sejam muito elevados, e que possam ser jogado eventualmente, de forma moderada, podem ser vistos como convenientes pelo cristão. Podem até ser desnecessários, mas não por isso, inconvenientes ou pecaminosos.



06) CONCLUSÃO


Como Paulo nos diz em 1 Coríntios 6.12, “... todas as coisas me são lícitas, mas nem todas me convêm...”. Todos os tipos de jogos de azar podem ser jogados, mas nem todos são práticas convenientes. Todos os jogos são permitidos, mas nem todos são opções inteligentes, e a ignorância é um péssimo estigma.

Não quis escrever mais um daqueles tão comuns artigos contundentes, que proíbem categoricamente isso ou aquilo, mas simplesmente expor, com base na Palavra e no raciocínio, aquilo que é correto e aquilo que não é. Você, caro leitor, tem toda a liberdade para discordar do que escrevi, porém, pense a respeito do que você afirma, em vez de tagalerar aquilo que todo mundo afirma preconceituosamente. Como pode observar, não fui totalmente a favor dos jogos de azar, mas distingui entre vários tipos de jogos, e aceitei como convenientes alguns.

Antes de finalizar, quero fazer uma pergunta, retórica, que embora formulada de forma aparentemente parcial, é imparcial:

- Ao despender seu dinheiro em jogos de azar, você acredita estar tomando uma atitude inteligente e prudente, ou simplesmente impulsiva, seduzido pela imensidão de “zeros” que pulam a sua frente, esquecendo-se que as possibilidades de vitória são menores que o inverso desse atraente numeral?


Faça o que você achar mais inteligente, menos medíocre, e lembre-se sempre do bom e velho filtro que já comentamos, muito útil para se decidir satisfatoriamente uma questão obscura: "- Jesus faria isso?" Se você achar realmente que sim, sem enganos e sem ter que forçar sua mente a pender para o lado positivo, vá em frente! Se achar que não, deixe para lá.


Que Deus nos abençoe a cada dia!

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