A salvação, uma dádiva a
ser desenvolvida
Referência:
Filipenses 2. 12-16
INTRODUÇÃO
A
teologia não é especulação filosófica; ela desemboca em vida. James Montgomery
Boyce diz que a verdade conduz à ação. Ralph Martin diz que em seguida ao hino
soteriológico (Fp 2.6-11), Paulo prossegue, a fim de fazer uma aplicação
penetrante. “Assim, pois” é uma expressão voltada para a conclusão da seção
mencionada. Paulo não está começando um novo assunto, mas fazendo uma aplicação
do assunto anterior. O chamado é para a obediência.
O
conhecimento e a expediência não têm nenhum valor se não nos ajudam a viver nos
vales da vida e se não nos capacitam a viver em amor. Depois que Paulo tratou
do exemplo de Cristo, falando acerca da sua humilhação e exaltação, volta a
exortar a igreja à obediência e à unidade. Paulo é um pastor e por isso antes
de exortar os crentes, revela a eles seu amor, chamando-os de “amados meus”
(1.7,8; 2.12). Paulo tem tato e diplomacia ao lidar com as pessoas,
especialmente quando vai exortá-las à obediência (Gl 6.1).
Destacamos
três pontos importantes, à guisa de introdução:
1. O
exemplo de Cristo é o nosso maior estímulo à obediência (Fp 2.12)
O
problema da igreja de Filipos era a desarmonia entre os crentes produzida pelo
egoísmo. Os crentes estavam se atritando a ponto de alguns trabalharem na
igreja para a promoção pessoal ou o maior reconhecimento do seu grupo (Fp 2.3).
A base dessa atitude mesquinha era o egoísmo (Fp 2.4). Então, Paulo fala para
os crentes olhar para o exemplo de Cristo e ter o mesmo sentimento que houve
nele (Fp 2.5). Depois que Paulo detalhou os estágios da humilhação e exaltação
de Cristo cobrou da igreja um posicionamento. Lightfoot diz que Paulo mostrou o
exemplo da humilhação de Cristo para guiá-los e o exemplo da exaltação de
Cristo para encorajá-los.
A
preposição “pois” no versículo 12 é um elo de ligação entre o que Paulo estava
falando e o que agora vai falar. Assim como Jesus obedeceu ao Pai, os cristãos
também devem obedecer. Ele está dizendo que o exemplo de Cristo, sua humilhação
e a recompensa de sua exaltação são a principal razão para a igreja viver em
obediência. O que nós cremos precisa refletir na maneira como vivemos. Nossa
teologia precisa produzir vida.
2. A
doutrina sempre tem propósitos práticos (Fp 2.12)
Essas
gloriosas doutrinas expostas em Filipenses 2.5-11 têm um propósito prático. A
doutrina tem a finalidade de conduzir a igreja na verdade. Ela é a base da
ética e o alicerce da vida. Ainda ecoam em nossos ouvidos a verdade celestial e
doce acerca do Filho de Deus que desceu da glória para a vergonha da cruz, e
isso por amor de nós, pecadores. Nós somos exortados a agir à luz desse vasto e
insondável amor. O ensino de Paulo nos mostra que doutrina sempre conduz ao
cristianismo prático. Quanto mais estudamos teologia, mais humildes deveríamos
ser. Quanto mais luz nós temos na mente, mas amor nós deveríamos ter no coração.
3. A
obediência do cristão é ultracircunstancial (Fp 2.12)
Alguns
crentes estavam muito dependentes da presença física de Paulo em Filipos para
viverem de conformidade com a Palavra. Esses crentes sofriam de uma espécie de
nostalgia, vivendo um saudosismo dos tempos áureos que Paulo esteve com eles
(Fp 1.27). Mas, Paulo estava preso em Roma e eles deviam manter o mesmo
compromisso, mesmo diante da sua ausência. Eles deviam colocar sua confiança em
Deus e não na presença do apóstolo entre eles.
William
Hendriksen diz que a obediência dos filipenses não deve ser motivada pela
presença de Paulo, nem durar só enquanto ele estiver em seu meio. O cristão
obedece não porque o pastor está presente, ou para agradar esse ou aquele
grupo. Sua obediência independe das circunstâncias e das pessoas.
Vamos
examinar esse texto e extrair dele três gloriosas verdades, acerca da nossa
salvação.
I. A
SALVAÇÃO RECEBIDA (Fp 2.12)
A
salvação não é uma conquista do homem, mas um presente de Deus. Ela é nossa,
não por direito de conquista, mas por dádiva imerecida. A salvação não é um
prêmio das nossas obras, mas um troféu da graça de Deus. Há duas verdades que
merecem ser destacas aqui:
1. A
salvação é um presente de Deus a nós e não uma conquista nossa (Fp 2.12)
Quando o
apóstolo Paulo diz: “… desenvolvei a vossa salvação…” (Fp 2.12), ele não está
afirmando que ela nos pertence por direito de conquista. Ela é nossa porque nos
foi dada. Ela é nossa porque um outro alguém a comprou por um alto preço e
no-la deu gratuitamente. A nossa salvação foi comprada por um alto preço. Ela
não foi comprada por prata ou ouro, mas pelo precioso sangue de Cristo (1Pe
1.18,19).
2. A
salvação verdadeiramente nos pertence (Fp 2.12)
Muitos
cristãos, por não estarem arraigados nas doutrinas da graça, ficam inseguros
acerca desse ponto, pensando que a salvação nos é dada num momento e tomada em
outro; que podemos estar salvos num dia e perdidos no outro. Isso é
absolutamente impossível. A salvação é um presente que nos foi dado de uma vez
para sempre (Rm 8.1). Uma vez salvo, salvo para sempre (Rm 8.31-39). Uma vez
membro da família de Deus, jamais seremos deserdados (Rm 8.17). Uma vez ovelha
de Cristo, jamais alguém poderá nos arrancar da mão de Cristo (Jo 10.28).
Paulo
diz: “… desenvolvei a vossa salvação…” (Fp 2.12). O erudito na língua grega H.
C. G. Moule diz que a palavra “vossa” é fortemente enfática.
II. A
SALVAÇÃO DESENVOLVIDA (Fp 2.12,13)
Destacamos
aqui cinco pontos importantíssimos:
1. A
soberania de Deus não anula a responsabilidade humana (Fp 2.12)
Há dois
equívocos muito comuns acerca da salvação: o primeiro deles é pensar que a
salvação é resultado do esforço humano. A maioria das religiões prega que o
homem abre o seu próprio caminho rumo a Deus. Conseqüentemente, a salvação é
resultado de mero esforço humano.
O segundo
equívoco é pensar que a salvação é uma parceria do homem com Deus. O sinergismo
prega que a salvação é resultado da obra de Deus conjugada com a cooperação
humana. O versículo 12 não diz: “trabalhai para vossa salvação”, mas
“desenvolvei vossa salvação”. Ninguém pode desenvolver sua salvação a não ser
que Deus já tenha trabalhado nele.
A verdade
bíblica insofismável é que a salvação é obra exclusiva de Deus. Porém, o fato
de Deus nos dar graciosamente a salvação, não significa que ficamos passivos
nesse processo. A salvação é de Deus e nos é dada por Deus, mas nós precisamos
desenvolvê-la. Corretamente Robertson afirma que a graça de Deus não é uma
desculpa para não fazermos nada. Antes, ela é uma forte razão para fazermos
tudo. Tanto na religião como na natureza, nós somos cooperadores de Deus (1Co
3.6-9). Nós plantamos e regamos, mas Deus dá-nos a semente, o solo, e envia o
sol e a chuva e faz a semente crescer e frutificar.
H. C. G.
Moule diz que a principal referência à salvação aqui é à glória final. Ela
precisa ser “efetuada” na vida prática, à vista da aproximação do “dia de
Cristo”, que lhes completará a salvação (Rm 13.11).
William
Hendriksen interpreta corretamente quando diz que a palavra “desenvolvei” traz
a idéia de um esforço contínuo, vigoroso, estrêmuo: “Continuem a desenvolver”.
Embora, somos salvos de uma vez por todas quando cremos em Jesus, os crentes
não são salvos de um só golpe (por assim dizer). Sua salvação é um processo (Lc
13.23; At 2.47; 2Co 2.15). É um processo no sentido em que eles mesmos, longe
de permanecerem passivos ou inativos, tomam parte ativa. É um prosseguir, um
seguir após, um avançar com determinação, uma contenda, uma luta, uma corrida
(Rm 14.18; 1Co 9.24-27; 1Tm 6.12).
Warren
Wiersbe ainda nos ajuda na compreensão desse verbo “desenvolvei”. Ele diz que
esse verbo tem o sentido de “trabalhar até a consumação”, como quem trabalha em
um problema de matemática até chegar ao resultado final. No tempo de Paulo,
esse termo também se referia a “trabalhar em uma mina” extraindo dela o máximo
possível de minério valioso, ou “trabalhar em um campo” obtendo a melhor
colheita possível. O propósito que Deus deseja que alcancemos é a semelhança a Cristo
(Rm 8.29).
Recebemos
de graça essa gloriosa propriedade, porém, agora, precisamos cultivá-la. Não a
cultivamos para possuí-la, mas porque a possuímos. F. F. Bruce está correto
quando diz que neste contexto, Paulo não está exortando cada membro da igreja a
empenhar-se na obra de sua salvação pessoal; Paulo está pensando na saúde e
bem-estar geral da igreja como um todo. Cada crente, e todos os crentes, num
corpo só, precisam prestar atenção a este fato.
Conforme
já temos analisado, a palavra traduzida por “desenvolvei” no versículo 12, o
verbo grego katergazesthai, sempre leva inerente a idéia de levar a cabo, de
fazer uma coisa em forma plena, completa e perfeita de modo que seja terminada
e concluída. O caminho da salvação foi delineado no hino soteriológico (Fp
2.6-11). Resta aos filipenses aplicá-lo em sua vida coletiva a fim de resolver
as rivalidades e desavenças e crescerem na graça.
2. A
posse e o desenvolvimento da salvação produz reverência e não relaxamento (Fp
2.12)
Quando
Paulo fala em “temor e tremor” não está falando de temor servil. Este não é o
temor de um escravo se arrastando aos pés do seu senhor. Não é o temor ante a
perspectiva do castigo. Deus não é um xerife ou guarda cósmico diante de quem
devemos ter medo; nem, também, é um pai bonachão e complacente; ao contrário
ele é majestoso, santo, e misericordioso. Nosso grande temor deve ser em
ofendê-lo e desagradá-lo, depois de ele ter nos amado a ponto de nos dar seu
Filho para morrer em nosso lugar.
Nessa
mesma linha de pensamento, F. F. Bruce escreve: É evidente que a atitude
recomendada pelo apóstolo aqui nada tem que ver com o terror servil; o apóstolo
tranqüiliza os crentes de Roma, dizendo: “não recebestes o espírito de
escravidão para outra vez estardes em temor” (Rm 8.15). Trata-se, antes, de uma
atitude de reverência e profundo respeito, na presença de Deus, de extrema
sensibilidade à sua vontade, de consciência de nossa responsabilidade à vista
de havermos de prestar contas perante o tribunal de Cristo.
Lightfoot
diz que esse temor é uma espécie de ansiedade para fazer o que é certo.
Robertson corretamente afirma que as pessoas hoje não tremem na presença de
Deus e tem um fraco senso de temor. O grande sermão de Jonathan Edwards
“pecadores nas mãos de um Deus irado” não encontraria eco nos dias de hoje. Nós
vivemos numa geração extremamente complacente. Ficaram para trás os dias em que
os Puritanos falavam em agonia de arrependimento.
As
pessoas que mais tiveram intimidade com Deus, mais se prostraram reverentes aos
seus pés. Aqueles que tiveram uma visão da sua glória; caíram prostradas ao
chão perante o fulgor da sua glória. Hoje, muitos demonstram intimidade com
Deus em palavras, mas uma imensa distância dele na vida.
3. O
desejo pela salvação é obra de Deus em nós (Fp 2.13)
O apóstolo
Paulo esclarece: “Porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o
realizar…”. Ralph Martin diz que não ficamos entregues a nós mesmos, nesta
tarefa, pois Deus é quem efetua em nós tanto o querer como o realizar.
William
Barclay diz que Deus é quem desperta o desejo dele em nossos corações. É
verdade que “nossos corações estão inquietos até que descansam nele” e também
que “nem sequer podemos começar a buscá-lo a não ser que ele já nos tenha
encontrado. O começo do processo da salvação não depende de nenhum desejo
humano; só Deus é quem pode despertá-lo.
F. F.
Bruce corretamente afirma que o Espírito realiza o que a lei não consegue
realizar: a lei podia dizer às pessoas o que deveriam fazer, mas não podiam
suprir-lhes o poder, nem mesmo a vontade de fazê-lo; o Espírito supre ambas as
coisas (Rm 8.3,4; 2Co 3.4-6). Através do Espírito Santo, Deus “energiza” e
“capacita” seu povo para as tarefas que ele deseja que ele faça (1co 12.4-7).
Deus dá o desejo e a habilidade. Deus trabalha nos crentes e os crentes
trabalham para Deus. Os crentes se tornam cooperadores com Deus.
Não há
nenhum desejo em nós por Deus e pela sua obra que não proceda do próprio Deus.
Mesmo quando estamos desenvolvendo a nossa salvação, temos consciência de que é
Deus quem está operando em nós mediante o seu Espírito. Em última instância,
não somos nós que estamos trabalhando, mas Deus em nós e através de nós.
O
trabalho de Deus começa com a nossa vontade e a vontade precede a ação. À parte
da obra de Deus em nosso coração jamais teremos a vontade livre quando se trata
de realidades espirituais. Na verdade não temos vontade livre em nenhuma coisa
que envolva nossa capacidade física, intelectual, e espiritual. Não temos
capacidade de decidir por nós mesmos ter cinqüenta por cento a mais de Q. I.
Não temos capacidade de decidir ter dez centímetros a mais em nosso tamanho.
Não temos capacidade de correr cem metros em oito segundos. Não temos
capacidade de nos tornar fisicamente belos como os grandes astros de cinema. De
igual modo, não temos capacidade de escolher Deus. Somente Adão antes da queda
teve livre arbítrio. Somos como um homem à beira de um profundo abismo.
Enquanto estivermos na beira do abismo temos livre vontade. Mas, se cairmos
nele, não teremos condições, de por nosso próprio esforço, sairmos de lá. Desde
a queda de Adão todos nós nascemos com a total incapacidade de escolhermos a
Deus. Ninguém jamais pode desejar a Deus sem que primeiro Deus predisponha sua
vontade. Ninguém pode fazer a vontade de Deus a não ser que o próprio Deus
venha e o tire do abismo e lhe diga: “Este é o caminho, andai por ele”.
Werner de
Boor coloca essa sublime verdade de forma esclarecedora, como segue: Realmente,
nenhum de nós poderá ter no coração o menor anseio por salvação se Deus não nos
despertar previamente da condição de “mortos em delitos e pecados” (Ef 2.1) e
nos atrair para a salvação. A cada um, porém, em quem Deus realizou isso,
cumpre dizer agora com máxima seriedade: não brinque com essa salvação, siga-a
realmente, não deixe escapar essa hora da graça, justamente porque ela não é
apenas seu próprio “estado de ânimo”, sua própria ‘idéia”, mas a atuação
decididamente divina em seu coração. O querer gerado por Deus – que
responsabilidade isso traz para nós! Realmente só podemos aproveitar esse
querer “com temor e tremor, em sagrada seriedade!
4. A
continuação do processo da salvação também é obra de Deus em nós (Fp 2.13)
William
Barclay diz que a continuação desse processo depende de Deus: sem sua ajuda não
se pode fazer nenhum progresso no bem; sem sua ajuda nenhum pecado pode ser
vencido. Somente por meio da ação de Deus em nós podemos superar o mal e
praticar o bem. A verdadeira vida cristã não pode permanecer no mesmo lugar;
deve estar em contínuo progresso.
O
apóstolo Paulo diz que Deus é quem efetua em nós tanto o querer como o realizar
(Fp 2.13). Não apenas o desejo, mas também toda obra realizada em nós é ação
divina.
A palavra
grega usada por Paulo aqui é energein. William Barclay diz que sobre esse verbo
precisamos notar duas coisas importantes: sempre se usa com respeito à ação de
Deus; e sempre se aplica a uma ação eficaz. Todo o processo da salvação é uma
ação de Deus e esta ação é eficaz porque é sua ação. A ação de Deus não pode
ser frustrada nem ficar inconclusa; deve ser plenamente concluída.
William
Hendriksen diz que se não fosse o fato de Deus estar agindo em nós, jamais
poderíamos desenvolver a nossa salvação. Ele ilustra essa verdade assim: O
ferro elétrico é inútil a menos que seu plugue esteja acoplado à tomada. À noite
não haverá luz na sala a menos que a eletricidade flua pelos fios de tungstênio
para dentro da lâmpada, cada filamento mantendo contato com os cabos que vêm da
fonte de energia. As rosas do jardim não podem alegrar o coração humano com sua
beleza e fragrância a menos que extraiam sua virtude dos raios solares. Melhor
ainda: “Como pode o ramo produzir fruto de si mesmo, se não permanecer na
videira; assim, nem vós podeis dar, se não permanecerdes em mim” (Jo 15.4).
Assim também os filipenses só poderão operar sua própria salvação permanecendo
num vivo e ativo contato com seu Deus.
5. A obra da salvação é resultado da vontade de Deus (Fp 2.13)
5. A obra da salvação é resultado da vontade de Deus (Fp 2.13)
A
salvação é realizada por Deus em nós não contra sua vontade, mas em consonância
com ela. A nossa salvação é resultado da expressa vontade soberana de Deus.
Tudo provém de Deus. Nossa salvação tem início e consumação na boa, perfeita e
agradável vontade de Deus.
III. A
SALVAÇÃO DEMONSTRADA (Fp 2.14-16)
O
apóstolo Paulo esteve falando na necessidade de obediência na tarefa de
“desenvolver” a salvação (Fp 2.12). A obediência, porém, pode ser de bom grado
ou de má vontade. Esta última é uma espécie de obediência que equivale à
desobediência. Pedro fala da prática da hospitalidade enquanto se lastima (1Pe
4.9). Agora, Paulo exorta: “Fazei tudo sem murmurações nem contendas” (Fp
4.14).
1. A
salvação é demonstrada através de relacionamentos transformados (Fp 2.14)
Paulo
retorna ao problema básico descrito nos versículos 1 a 4. Os crentes da igreja
de Filipos estavam fazendo as coisas com a motivação errada (Fp 2.3,4). Eles
estavam trabalhando, mas sem sintonia uns com os outros. Havia partidarismo e
discordância entre eles. A igreja estava dividida. Paulo, então, exorta os
crentes, dando-lhes duas ordens. Os dois pecados mencionados são exatamente
aqueles que macularam o povo judeu em sua travessia do deserto (Ex 16.7; Nm
11.1).
J. A.
Motyer diz que contenda refere-se a uma atitude interna, ou seja, uma atitude e
atividade da mente e do coração enquanto murmuração é algo externo, aquilo que
manifestamos proveniente do coração e da mente. Assim, esses dois pecados
cobrem todos os nossos pensamentos e ações em relação às outras pessoas. Nessa
mesma trilha de pensamento Lightfoot diz que murmuração é um pecado moral e
contenda é um pecado de rebelião intelectual contra Deus. Como a igreja devia
demonstrar sua salvação através de seus relacionamentos?
Em
primeiro lugar, eles deviam fazer tudo sem murmurações (Fp 2.14). A palavra que
Paulo usa para “murmuração” é goggysmos. Ela evoca o murmúrio de rebelião e
infidelidade dos filhos de Israel em sua peregrinação pelo deserto (1Co 10.10).
Os israelitas murmuraram contra Deus e contra Moisés. Eles reclamavam
reiteradamente das privações, dizendo que jamais deveriam ter deixado o Egito
(Nm 11.1-6; 14.1-4; 20.2; 21.4,5). Moisés os descreveu como “geração perversa e
depravada” (Dt 32.5). Quando o povo estava no Egito eles murmuravam porque
estavam no Egito. Quando eles saíram do Egito eles murmuravam porque saíram do
Egito. Eles murmuraram porque não tinham nada para comer. E quando Deus
providenciou milagrosamente o maná para eles comerem, eles murmuraram porque
não tinham carne. Eles murmuraram durante quarenta anos no deserto e quando
chegaram na terra prometida, ainda continuaram murmurando. Muitos de nós somos
como eles. Deus nos abençoa, mas há algumas coisas que nós não gostamos. Deus
então nos abençoa mais, e nós ainda continuamos murmurando.
Em
segundo lugar, eles deviam fazer tudo sem contendas (Fp 2.14). A palavra
“contendas” no grego é dialogismoi. Essa palavra descreve as disputas e debates
inúteis e até mal intencionados que engendram dúvidas e vacilações. Essa
palavra tem uma conotação legal de “dissensões”, “litígios” e indica que os
filipenses estavam apelando até para tribunais pagãos para resolver suas
diferenças (1Co 6.1-11).
Porque
murmurações e contendas são atitudes tão reprováveis? Primeiro, essas atitudes
são completamente opostas à atitude de Cristo (Fp 2.5). Segundo, essas atitudes
obstaculizam a causa de Cristo entre os descrentes. Se tudo que as pessoas
conhecem sobre a igreja é que seus membros vivem constantemente murmurando e
contendendo, eles terão uma impressão negativa de Cristo e do evangelho. Terceiro,
provavelmente mais igrejas se dividiram, ainda hoje, por causa de contendas do
que por causa de heresias.
2. A
salvação é demonstrada através de uma conduta irrepreensível (Fp 2.15a).
O
apóstolo Paulo detalha sobre a conduta irrepreensível, abordando três pontos
importantes:
Em
primeiro lugar, os crentes devem se tornar irrepreensíveis. A palavra grega
usada por Paulo para “irrepreensíveis” é amemptos e expressa o que o cristão é
no mundo. Sua vida é de tal pureza que ninguém encontra algo nele que se
constitua uma falta. O cristão deve ser não apenas puro, mas viver uma pureza
que seja vista por todos. O cristão deve refletir o caráter de seu Pai, a ponto
de viver de tal maneira que ninguém pode lhe apontar um dedo acusador (Mt
5.13,45,48).
Em segundo
lugar, os crentes devem se tornar sinceros. A palavra grega para “sinceros” é
akeraios. Ela expressa o que o cristão é em si mesmo. Essa palavra significa
literalmente “sem mescla”, “não adulterado”. Essa palavra era usada para
referir-se ao vinho ou leite puros ou sem mistura de água. Essa palavra era
usada também no vocabulário da primitiva metalurgia para falar do ouro puro, do
bronze puro ou qualquer metal sem impureza. Essa palavra era usada também para
o barro puro utilizado na confecção de vasos. Nos tempos antigos alguns oleiros
cobriam de cera as trincas dos vasos e enganavam os compradores. Esses vasos,
ao serem expostos à luz do sol; a cera derretia e logo apareciam os defeitos.
Então, os compradores passaram a exigir vasos sem cera. Daí foram cunhadas as
palavras: sincero e sinceridade, ou seja, sem cera.
Jesus
usou essa palavra quando disse que seus discípulos deveriam ser inocentes como
as pombas (Mt 10.16) e Paulo a usou quando disse que devemos ser símplices para
o mal (Rm 16.19). O apóstolo Paulo diz que devemos viver assim no meio de uma
geração pervertida e corrupta (Fp 2.15) como Daniel viveu na Babilônia cheia de
deuses pagãos, numa cultura pagã, sem se misturar e sem se contaminar.
Em
terceiro lugar, os crentes devem se tornar filhos de Deus inculpáveis no meio
de uma geração pervertida. A palavra grega para “inculpáveis” é amomos. Ela
descreve o que o cristão é na presença de Deus. O termo se vincula
particularmente com os sacrifícios. Aplicado a um sacrifício significa
“imaculado”. A pureza do cristão deve ser tal que suporte o juízo de Deus. A
vida do cristão deve ser tal que possa ser oferecida a Deus como um sacrifício
sem mácula.
É
importante ressaltar que a vida cristã não é vivida num estufa espiritual, numa
redoma de vidro, mas no meio de uma geração pervertida. Não é ser sal no
saleiro nem luz debaixo do alqueire. Bruce Barton corretamente interprete esse
fato, quando escreve:
Enquanto
crentes nós somos desarraigados desde mundo perverso (Gl 1.4). Porque na
verdade nós não somos do mundo (Jo 17.16). Ao mesmo tempo não somos removidos
fisicamente do mundo (Jo 17.15). Nós estamos no mundo, com a missão de no mundo
anunciar as boas novas do evangelho (Jo 17.18). Assim, também, a igreja de
Filipos precisava completar sua missão no mundo, vivendo como filhos de Deus
inculpáveis no meio de uma cultura depravada e pervertida.
3. A
salvação é demonstrada através de um testemunho notável (Fp 2.15b)
Os
crentes são exortados a brilhar como astros celestes neste mundo tenebroso (Mt
5.14-16). A palavra grega que Paulo usa para “luzeiros” é phosteres. Lightfoot
diz que essa palavra é usada quase que exclusivamente para os astros celestes,
exceto quando seu uso é metafórico, como neste texto. Essa é a palavra usada na
versão grega de Gênesis 1.14-19 para referir-se ao sol, à lua e às estrelas que
o Criador espalhou pela abóbada celeste no quarto dia. Tais luminárias não
brilham para si mesmas; brilham a fim de prover luz para o mundo todo. O mesmo
deveria ser verdade a respeito do crente: ele vive para os outros. A igreja tem
sido chamado de clube que existe para o benefício dos que não são sócios.
A vida da
igreja no mundo é comparada à influência da luz num lugar escuro. Robertson diz
que toda igreja é uma casa de luz em um lugar de trevas. Quanto mais escuro é
um lugar, mais a luz é necessária.
Bruce
Barton diz que o nome dado à estrela mais brilhante da noite é Sirius, da
constelação de “Canis Major” e a mais brilhante estrela do dia é o sol. Paulo
tira uma lição dos astros celestes quando compara os crentes como as estrelas e
a sociedade como a escuridão do universo. Na única outra passagem que usa esta
palavra aparece no Novo Testamento, há a descrição da cidade santa, que reflete
a glória de Deus como a luz de uma jóia (Ap 21.11).
É digno
de nota que Paulo não admoesta os cristãos a se isolarem do mundo nem a viverem
em “quarentena espiritual”. Os fariseus eram tão alienados e isolados da
realidade que desenvolveram uma justiça própria artificial, inteiramente
distinta da justiça que Deus desejava que cultivassem em sua vida. Em
decorrência disso, sujeitaram o povo a uma religião de medo e de servidão e
crucificaram a Cristo, porque ele ousou opor-se a esse tipo de religião.
4. A
salvação é demonstrada através de uma fidelidade inegociável (Fp 2.16)
O
apóstolo Paulo enfatiza aqui duas coisas importantes: Em primeiro lugar, a
necessidade de a igreja preservar a palavra da vida. A Palavra de Deus é
singular. Ela não se assemelha aos demais livros. Ela é viva (Hb 4.12). Ela é a
palavra da vida (Fp 2.16). Ela é espírito e vida (Jo 6.63). Ela é a palavra da
vida porque proclama a verdadeira vida que se encontra em Cristo. A palavra
grega usada para “preservar” epechein foi usada na cultura secular para
oferecer vinho a um hóspede. Os filipenses deveriam oferecer o evangelho ao
mundo moribundo, porque somente o evangelho oferece vida abundante e eterna. A
palavra da vida não é para ser retida, mas compartilhada. O ensino de Paulo não
é para a igreja se refugiar entre quatro paredes, isolando-se do mundo; ao
contrário, o projeto de Deus é que a igreja brilhe como estrelas numa noite
trevosa e leve ao mundo a palavra da vida.
Em
segundo lugar, a necessidade da igreja trabalhar enquanto é tempo. Paulo deixa
bem claro que ele enfrentará “o dia de Cristo” com muita confiança, desde que
seus convertidos permaneçam firmes e viram de modo que tragam crédito ao
evangelho que lhes pregou. Tem você investido na vida e outras pessoas? No dia
de Cristo você terá a alegria de apresentar a Deus os frutos do seu trabalho?
Ou você comparecerá diante dele de mãos vazias?
Rev.
Hernandes Dias Lopes
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