DISTINÇÕES ENTRE O JUSTO E O ÍMPIO
Texto básico: Provérbios 10.1-32
INTRODUÇÃO
Você já reparou como os ditados populares são úteis para descrever
diversas situações que enfrentamos? Sua eficácia se baseia na apurada
observação e no fato de que o comportamento humano é muitas vezes
previsível.
No entanto, os provérbios bíblicos fazem mas do que descrever as
rotinas da vida. Eles procuram apresentar os benefícios e a
superioridade da vida sábia e nos motivar a viver segundo os seus
ensinos. Quando lemos Provérbios somos desafiados a decidir se agiremos
como sábios ou como tolos, como justos ou como ímpios.
Veremos hoje algumas instruções que nos ajudarão a entender os
provérbios e estudaremos alguns temas que nos ajudarão a perceber como
os provérbios são úteis para a prática a vida cristã.
1. ORIENTAÇÃO PARA ESTUDAR OS PROVÉRBIOS
A. Lidando com a variedade
Depois da seção de discursos temáticos, o capítulo 10 dá início a uma
coleção de ditos, a maioria deles, antitéticos. Eles são reunidos em
grande quantidade e parecem estar dispostos aleatoriamente. Essa falta
de organização traz grandes dificuldades para a interpretação dessa
seção.
Duane Garrett nos dá interessantes orientações para lidar com esses
versículos: “Primeiro, cada provérbio é uma unidade independente que
pode ficar só e ainda ter sentido. O contexto textual não é essencial
para a interpretação. Também a própria desordem de uma coleção de
provérbios pode servir a um propósito didático, demonstra que, enquanto a
realidade e a verdade não são irracionais, também não estão plenamente
sujeitos às tentativas humanas de sistematização. Ainda que os
provérbios sejam apresentados de um modo aparentemente acidental nós
encontramos os temas com que eles trabalham”1.
Assim, temos um riquíssimo depósito de lições a serem aprendidas no
estudo de cada um dos provérbios registrados. Muitas pessoas tem se
beneficiado espiritualmente com a prática de decorar e meditar nos
provérbios. Eles têm sido lembrados em momentos importantes e trazido
orientação segura para as mais diversas situações. Por exemplo, como não
lembrar de Provérbios 15.1 quando estamos no meio de uma discussão ou
conflito.
No entanto, se observamos com atenção identificaremos pequenos grupos
e temas recorrentes que se mostram muito úteis na compreensão desse
trecho do livro. Nesses grupos, o ensino dos provérbios individuais é
ampliado e reforçado.
B. Estrutura motivacional
Outro importante recurso na interpretação dos provérbios é observar como
eles motivam os seus leitores2. Diferentemente dos textos legais os
provérbios não se propõem apenas a declarar o que é certo ou errado.
Eles procuram incentivar através de exemplos seus leitores a escolher a
prática daquilo que é bom.
Uma dessas técnicas é a estrutura caráter – consequência. Nela o
ouvinte é motivado a agir de forma a ser identificado pelo atributo
positivo e não pelo negativo.
“O filho sábio (caráter positivo) alegra a seu pai (consequência
positiva) mas o filho insensato (caráter negativo) é a tristeza de sua
mãe (consequência negativa)” (10.1).
Similar a ela é a estrutura ato – consequência. Nesse caso o leitor é incentivado a escolher a ação positiva.
“Quem fica por fiador de outrem (ato negativo) sofrerá males
(consequência negativa), mas o que foge de o ser (ato positivo) estará
seguro (consequência positiva)” (11.15).
Temos também a estrutura caráter – avaliação. Nesse tipo de provérbio
a motivação se dá quando o sábio exprime um juízo de valor.
“Prata escolhida (avaliação positiva) é a língua do justo (caráter
positivo), mas o coração do perverso (caráter negativo) vale muito pouco
(avaliação negativa)” (10.20).
Por trás dessas e outras estruturas de motivação em Provérbios está o
uso frequente de padrões antitéticos que trabalham em termos de
aproximação e afastamento ou de busca e evitamento. Os provérbios nos
desafiam a refletir e fazer escolhas. De um modo geral, o livro nos
coloca diante das diferenças de atitude e comportamento entre o justo e o
ímpio. Mostra também as diferentes consequências que esses
comportamento atraem.
Considerando assim de modo genérico somos estimulados a agir com
sabedoria no desejo de ver os seus resultados presentes em nossa vida.
Como exposto na lição 4, não podemos tratar esse recurso didático como
leis ou promessas. Elas são estímulos baseados na observação e no senso
comum. O objetivo maior é agir com sabedoria e não o receber os
benefícios que esse comportamento pode nos trazer.
Passemos à consideração de importantes temas presentes nesse bloco.
Alguns já deles foram tratados nas lições anteriores, por isso não
voltaremos a eles, embora eles apareçam muitas vezes.
2. SABEDORIA NO FALAR
Em Provérbios 10.8-21, 31-32 observamos a predominância de provérbios que tratam de nosso modo de falar.
O mau uso da língua produz ruína (10.8, 10, 14), violência (10.11),
guarda de ódio e difamação (10.18), muitas transgressões (10.19) mas
pouco valor (10.20), produz somente o mal (10.32). Leva aos tolos à
morte (10.21) e será desarraigada (10.31).
Essa lista nos dá a extensão dos males que o falar sem sabedoria produz.
Tiago nos lembra: “Ora, a língua é fogo; é mundo de iniqüidade; a
língua está situada entre os membros de nosso corpo, e contamina o corpo
inteiro, e não só põe em chamas toda a carreira da existência humana,
como também é posta ela mesma em chamas pelo inferno. Pois toda espécie
de feras, de aves, de répteis e de seres marinhos se doma e tem sido
domada pelo gênero humano; a língua, porém, nenhum dos homens é capaz de
domar; é mal incontido, carregado de veneno mortífero” (Tg 3.6-8).
Não podemos deixar de notar os tremendos males que a mentira, a
maledicência, a fofoca têm causado em nosso meio (11.13; 20.19; Tg
4.11-12). Amarguras, dissensões, divisões, altercações sem fim têm sido
provocadas por aqueles que usam sua língua de modo insensato (Gl 5.20;
1Tm 6.4-5).
Por outro lado, o uso sábio da língua é apontado como uma grande
fonte de bênçãos. Ela é manancial de vida (10.10), é fonte de sabedoria
(10.13, 31), depósito de conhecimento (10.14), moderação, prudência
(10.19) e prazer. Ela é preciosa como prata escolhida (10.20), serve de
instrução a muitos (10.21).
Dessa forma, a palavra do crente deve ser “sempre agradável,
temperada com sal, para saberdes como deveis responder a cada um” (Cl
4.6). Aos efésios, Paulo recomenda: “Não saia da vossa boca nenhuma
palavra torpe, e sim unicamente a que for boa para edificação, conforme a
necessidade, e, assim, transmita graça aos que ouvem” (Ef 4.29). Por
isso, Provérbios avalia: “Como maçãs de ouro em salvas de prata, assim é
a palavra dita a seu tempo” (Pv 25.11). Veja também Provérbios 15.23 e
16.21, 24.
O Senhor Jesus nos advertiu que, no juízo final, prestaremos conta de
toda palavra frívola proferida (Mt 12.36). E nos deu o exemplo: “o
enviado de Deus fala as palavras dele, porque Deus não dá o Espírito por
medida” (Jo 3.34). As palavras que ele nos disse são espírito e são
vida. Ele era o único que tinha as palavras da vida eterna (6.63, 68).
Além do bom uso da língua, Provérbios no ensina o valor de ouvir
antes de falar. Provérbios 18.13 diz: “Responder antes de ouvir é
estultícia e vergonha”.
Somos instruídos a guardar a boca e não abrir muito os lábios (13.3).
Tal princípio é tão importante que o sábio observa: “Quem retém as
palavras possui o conhecimento, e o sereno de espírito é homem de
inteligência. Até o estulto, quando se cala, é tido por sábio, e o que
cerra os lábios, por sábio” (Pv 17.27-28). O mesmo pode ser dito da ação
sem reflexão. Provérbios 19.2 ensina: “Não é bom proceder sem refletir e
peca quem é precipitado”. Por isso Tiago lembra: “Todo homem, pois,
seja pronto para ouvir, tardio para falar, tardio para se irar (Tg
1.19).
3. O CAMINHO MELHOR
O livro de Provérbios contém uma série de versículos que se iniciam
com a expressão “melhor é”. Além de afirmar um padrão de avaliação esses
versículos nos ensinam uma lista de comportamentos que devemos buscar
seguir.
Somos incentivados à diligência quando Provérbios valoriza o que se
estima em pouco e faz o seu trabalho ao invés daquele que conta
vantagens e não tem nada (12.9; 25.14). Também devemos ser humildes de
espírito e com eles partilhar o que temos do que estar aliados ao
soberbo (16.19).
Provérbios também recomenda o auto-controle e a mansidão como
conquistas maiores que as profissionais, políticos ou militares (16.32;
25.28). Ao passo que a insensatez é pior do que um animal enfurecido
(17.12).
Diz também que o pouco com temor do Senhor é melhor do que a riqueza
com inquietação (15.16). Nesse contexto, também são preferíveis um prato
de hortaliças (15.17), o pouco com justiça (16.8) e o bocado seco
(17.1). A alegria de coração é banquete contínuo (15.15). Ainda que soe
estranho à mentalidade consumista de nossos dias, “melhor é o pobre que
anda na sua integridade do que o perverso de lábios e tolo” (19.1;
28.6). Jesus nos advertiu quanto à preocupação dos gentios com essas
coisas e nos exortou a buscar primeiro o Reino de Deus e a sua justiça
(Mt 6.25-34). Hebreus nos admoesta que, por causa do cuidado de Deus,
devemos nos contentar com as coisas que temos (Hb 13.5). Paulo lembra
que a piedade com contentamento é grande fonte de lucro e que, por isso,
devemos estar contentes tendo o sustento e o que vestir (1Tm 6.6, 8).
Outra pérola dos provérbios é a crítica à mulher rixosa. Conviver com
ela é pior do que viver sob uma ponte (21.9), do que morar numa terra
deserta (21.19). Ela é irritante como uma goteira (27.15). Se a mulher
sábia edifica a sua casa, a insensata a destrói com suas próprias mãos
(14.1).
4. O MALEFÍCIO DAS CONTENDAS
No capítulo 6.12-19, Provérbios descreve o mal procedimento do homem
de Belial, o homem vil, entre elas o andar semeando contendas, coisa que
o Senhor abomina. Nessa seção de ditados, esse tema também recebe
atenção.
As contendas são fruto do ódio (10.12) e da incitação da ira (30.33).
São suscitadas pelo homem iracundo e cobiçoso (15.18; 29.22; 28.25) e
espalhadas pelo homem perverso através da difamação (16.28). Por isso, é
honroso para o homem desviar-se dela (20.3). O homem sábio sabe
resistir à provocação. “Não leva desaforo para casa”, como se costuma
dizer, mas também não revida à ofensa. Ao contrário, usa a palavra
branda para desviar o furor e não suscitar a ira (15.1). Pagar o mal com
o mal só prejudicará a nossa casa (17.13). Quando a contenda começa já
não pode mais ser detida (17.14). Amar a contenda é amar o pecado, por
isso não podemos ser intransigentes (17.19).
Provérbios ensina que devemos tratar as transgressões cobrindo-as com
amor, evitando levantar assuntos que provoquem discórdias (10.12;
17.9). Isso não quer dizer que devemos fechar os olhos para os pecados
cometidos, mas que devemos ser compassivos e perdoadores (Ef 4.32) e
corrigir os que pecam com espírito de brandura (Gl 6.1). A longanimidade
e o perdão são a glória do homem (19.11). Daí a orientação de Paulo aos
colossenses: “Suportai-vos uns aos outros, perdoai-vos mutuamente, caso
alguém tenha motivo de queixa contra outrem. Assim como o Senhor vos
perdoou, assim também perdoai vós; acima de tudo isto, porém, esteja o
amor, que é o vínculo da perfeição. Seja a paz de Cristo o árbitro em
vosso coração, à qual, também, fostes chamados em um só corpo (Cl
3.13-15).
5. A JUSTIÇA NOS NEGÓCIOS
Outro importante tema dos provérbios é a prática da justiça nos negócios.
Tais princípios também são aplicáveis ao trabalho.
É comum ouvirmos que se o comerciante ou empresário cumprir todas as
obrigações legais ou não praticar o suborno não terá como prosperar. Tal
pensamento tem justificado a contratação de funcionários sem o registro
em carteira, a venda sem nota fiscal, a omissão na declaração de renda,
etc.
No entanto, Provérbios condena esse pensamento e essas práticas.
Somos alertados que os tesouros adquiridos através da iniquidade não têm
proveito (10.2).
Por outro lado, o sábio nos desafia a confiar na provisão do Senhor
(10.3), em sua bênção (10.22) e na verdadeira recompensa que só pode ser
produzida pela justiça (11.18). Paulo afirma ter desprezado tudo por
causa de Cristo, com o objetivo de conhecê-lo, o seu poder e a
ressurreição dos mortos (Fp 3.9-11).
Vários versículos comparam o rendimento obtido pelo justo com o do
perverso (10.16; 11.19). Em 15.6, lemos: “Na casa do justo há grande
tesouro, mas na renda dos perversos há perturbação”. Isso porque o
Senhor abomina a desonestidade e ama a prática da honestidade e da
justiça (11.1; 16.11). “Dois pesos e duas medidas, umas e outras são
abomináveis ao Senhor” (20.10). O próprio povo amaldiçoa aquele que
negocia desonestamente (11.26; 20.14).
Por sua vez o justo, além de agradar a Deus pela prática da justiça
(10.9; 11.5), promove o progresso da cidade (11.11). Por isso, devemos
ser diligentes e honestos no trabalho e nos negócios que realizamos. A
prática da injustiça causará a nossa ruína, mas a justiça nos
recomendará ao sustento que vem de Deus (22.9; 16, 22; 28.8, 27; Fp
4.17-19).
CONCLUSÃO
Apesar da variedade e do caráter aleatório dos provérbios
individuais, o ensino que eles nos transmitem é bastante claro. Ao
distinguir entre o justo e o ímpio tanto em seus atos como nas
consequências que eles produzem, somos desafiados a tomar a decisão
de agir com sabedoria.
Os provérbios demonstram na prática os princípios e valores da vida
cristã. Sua maneira de falar, suas escolhas, suas reações diante
das contendas e seu compromisso com a ética nos negócios e no
trabalho, e muito mais.
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