Os “Dez Mandamentos” do discernimento
(1) Aprenda a exercer o discernimento à medida que cresce como cristão na fé, amor e santidade. Ainda que seja óbvio, isso deve ser enfatizado e colocado em primeiro lugar na nossa lista. A vida cristã não é um jogo intelectual no qual o objetivo é provar que estamos certos e derrubar os que estão errados. Discernir o ortodoxo do herético é apenas um aspecto da vida cristã, ainda que seja importante. Além disso, o discernimento doutrinário tem de envolver a oração, comunhão com outros cristãos, serviço aos cristãos e aos perdidos, e estudo da doutrina. Devo ressaltar que estou pregando aqui mais para mim mesmo do que para qualquer outro!Examinaremos os pontos mais práticos do discernimento doutrinário. Como devemos pôr esse discernimento em prática? Como podemos nos tornar mais amadurecidos e competentes no discernimento? Os “dez mandamentos” a seguir não são tudo que se pode dizer sobre o assunto, mas são de especial importância.
Ainda que o crescimento seja vital, não há um padrão mínimo de conquista espiritual que deva ser alcançado antes que se possa exercer o discernimento. Pelo contrário, o exercício do discernimento é uma função na qual todos devem crescer no decorrer de suas vidas como cristãos.
(2) Desenvolva seu conhecimento das Escrituras. Em condições normais, quanto mais uma pessoa conhece as Escrituras, mais ela terá a capacidade de discernir a verdade do erro. Nem todo cristão pode ser um perito, mas todos os cristãos devem estudar a Bíblia em profundidade e desenvolver um excelente conhecimento de seus ensinamentos.
Há várias maneiras de se estudar a Bíblia e todas elas são importantes. Leia a Bíblia diretamente: leia livros inteiros da Bíblia e leia a Bíblia por inteiro. Memorize passagens bíblicas. Estude a bíblica topicamente, procurando o que as Escrituras ensinam sobre determinados assuntos (At. 17:11). Use comentários, dicionários e atlas bíblicos, obras teológicas, etc. – mas não se esqueça que a escolha desse material também vai requerer discernimento. Estude a Bíblia individualmente e em grupos. Procure mestres competentes e aprenda deles o quanto possível. Utilize todos os recursos possíveis para aumentar seu conhecimento bíblico.
(3) Aprenda a pensar de uma maneira lógica e racional. Pensar logicamente significa pensar de tal maneira que não se tira conclusões falsas a partir de premissas verdadeiras. O propósito do estudo da lógica é aprender a pensar claramente e corretamente. Do contrário, ainda que se tenha conhecimento dos fatos, é possível tirar conclusões falsas, se esse fatos forem interpretados de maneira errônea.
Infelizmente, às vezes o pensamento lógico pode ser aplicado sem sensibilidade. Não me refiro ao comportamento rude (o que também pode acontecer), mas ao uso do processo lógico de uma forma que, ainda que se chegue a conclusões aparentemente lógicas, isso é feito sem um reconhecimento das complexidades e nuances de uma determinada situação. O resultado é que muitas vezes os erros de uma determinada pessoa ou grupo religioso são exagerados ou até mesmo erroneamente identificados. O raciocínio sem sensibilidade, no fim, acaba sendo ilógico, porque as conclusões são tiradas sem que antes se considerem todos os fatores – o que é uma falácia lógica de generalização indutiva apressada. Ou, talvez, se chegue a conclusões sobre as crenças de um determinado indivíduo sem que se leve em conta a maneira peculiar na qual essa pessoa emprega sua terminologia. Esse tipo de falácia lógica, onde conclusões são derivadas de premissas que usam a mesma palavra, mas em sentidos diferentes, é chamada de equivocação.
Hoje em dia, o raciocínio impreciso é um grande problema no campo do discernimento doutrinário. Todos nós devemos refinar e aprimorar nossa capacidade de raciocínio o máximo possível, para que possamos exercer discernimento em assuntos doutrinários.
(4) Ao estudar a doutrina, procure entender as diferentes perspectivas das diversas tradições que existem dentro da ortodoxia cristã. À medida que nos familiarizamos com os aspectos básicos da fé, devemos nos familiarizar mais com as diferentes tradições cristãs. Procure aprender as diversas perspectivas dentro do cristianismo ortodoxo sobre questões como o batismo, o milênio, dons espirituais, predestinação, etc. O entendimento dos pontos de vista diferentes dos cristãos sobre tais assuntos doutrinários não só proporcionará uma maior compreensão sobre a diferença entre os aspectos essenciais e não essenciais da fé, como também possibilitará que se tome uma posição mais bíblica e madura com respeito aos mesmos.
(5) Aprenda tanto quanto for possível toda e qualquer informação relevante sobre um grupo religioso ou ensinamento questionável antes de pronunciar qualquer julgamento sobre eles. As Escrituras dizem: “Responder antes de ouvir é estultícia e vergonha” (Pv. 18:13). Pronunciar julgamentos de heresia sobre crenças alheias, com base em informações insuficientes, é pecado.
Há uma variedade de estratégias que podem ser empregadas para se adquirir informações sobre um grupo. Podem-se averiguar as afiliações religiosas do grupo – a denominação ou religião à qual pertence – apesar de que em alguns casos as organizações podem negar a afiliação de seus grupos controvertidos. Pode-se investigar a história do grupo e seus líderes. Podem-se consultar referências, dicionários ou enciclopédias que listam grupos religiosos e organizações, com as respectivas descrições de suas crenças. Na maioria dos casos (exceto quando se trata de grupos muito novos ou muito pequenos), esses procedimentos facilitarão a obtenção de informações adequadas.
(6) Baseie seu entendimento de uma determinada doutrina questionável naquilo que aqueles que a defendem dizem sobre ela, mas não presuma que o uso de termos ortodoxos garante a ortodoxia das crenças. Da mesma maneira que não gostaríamos que alguém nos rotulasse como hereges e dissessem todo mal contra nós (Mt. 5:11) com base no que outros dizem de nós, também não devemos criticar os pontos de vista de outras pessoas sem nos certificarmos de que os ouvimos deles mesmos (Mt. 7:12). Isso não significa que todo cristão deve pessoalmente estudar a literatura produzida por um determinado grupo herético antes que possa determinar que ele é realmente herético. Significa que uma crítica de um grupo supostamente herético não deve ser considerada adequada a não ser que seja baseada em citações corretas dos líderes do grupo.
Nos casos em que ainda não há uma análise ou avaliação cristã adequada das doutrinas de um determinado grupo, é ainda mais importante se obter informações a partir de fontes primárias. Muitas vezes pode-se simplesmente solicitar uma declaração doutrinária. Entretanto, deve-se ter em mente duas observações: primeiro, há grupos que são ortodoxos e ainda assim não tem uma declaração doutrinária oficial. Segundo, os grupos heréticos normalmente procuram fazer com que suas declarações doutrinárias tenham ao máximo a aparência de ortodoxas, para que possam driblar críticas. Outras publicações, nestes casos, podem ser mais úteis para que se conhecer as verdadeiras crenças de um grupo.
Na verdade, é uma característica de grupos não ortodoxos e aberrantes não serem transparentes e honestos com relação à verdadeira natureza de suas crenças.
Freqüentemente, eles usarão linguagem bíblica e até soarão como sendo evangélicos, procurando evitar críticas. O Novo Testamento nos avisa sobre isso (e.g., 2 Co. 11:4). Nesse caso, procure obter o máximo possível de informações sobre suas crenças e compare o que dizem ao público com o que dizem entre eles. Isso pode eventualmente requerer que se compareça a suas reuniões, que se faça perguntas que não sejam vistas como críticas (cf. Mt. 10:16), ou que se obtenha literatura que somente é distribuída a seus membros. Geralmente, esse tipo de investigação deve ser feita somente por aqueles que já têm experiência e treinamento no discernimento doutrinário, especialmente os que ministram nesse campo. Em alguns casos, ex-membros desses grupos serão as melhores fontes de informação e de materiais.
(7) Trate as informações fornecidas por ex-membros com respeito e cautela. Todo grupo herético eventualmente começa a gerar ex-membros, e essas pessoas podem ser fontes valiosas. Muitas vezes sua maior contribuição é seu acesso a publicações e gravações que não estão disponíveis ao público em geral. Seus testemunhos pessoais podem também ser úteis e informativos.
Uma das características de grupos heréticos e aberrantes é que eles consideram seus ex-membros como sendo revoltados e invejosos, pessoas imorais que buscam vingança. Isso, é claro, pode até ser verdade am alguns casos. Porém, se um grupo perde um grande número de adeptos e se o testemunho desses ex-membros é consistente, tal testemunho merece crédito. O testemunho de um ex-membro é bastante reforçado se puder ser sustentado por documentação ou pela corroboração dos testemunhos de outros ex-membros.
Ocasionalmente, alguns indivíduos se apresentarão como ex-membros de um grupo e contarão histórias extraordinárias sobre seu envolvimento. Nesses casos, deve se proceder com bastante cautela, sendo que muitas vezes tais indivíduos nunca foram realmente membros do grupo ou, se foram, seu envolvimento nele nunca foi tão grande quanto alegam. Nem sempre se pode determinar se esses indivíduos fraudulentos estão em busca de dinheiro, atenção da mídia, antagonismo pessoal contra o grupo ou outra razão mais sutil. De qualquer maneira, é importante que acusações sensacionalistas contra um grupo não sejam aceitas meramente com base no testemunho de uma ou duas pessoas, sem o apoio de maior evidência.
(8) Em casos ambíguos ou incertos, dê o benefício da dúvida à pessoa ou grupo em questão. O princípio “inocente até prova em contrário” deve ser aplicado nesses casos. Alguns cristãos envolvidos em ministérios de discernimento “apitam”, ou “levantam a bandeirinha” cada vez que há a menor aparência de possível heresia. Essa prática traz reprovação a ministérios de discernimento, além de dividir os cristãos.
(9) Comece pelas questões básicas. No processo de pesquisa sobre a ortodoxia de um determinado grupo, pode-se economizar muito tempo e energia, além de se prevenir muitos erros, se primeiro forem estudadas as questões mais básicas, que dizem respeito à posição do grupo em relação à Bíblia e à autoridade religiosa. Consideram eles a Bíblia como sendo a Palavra de Deus infalível e inerrante? Consideram eles a Bíblia como sendo a autoridade final em assuntos religiosos ou consideram qualquer outra fonte (seus líderes, um profeta moderno, outro livro, etc.) como sendo autoridade indispensável para a interpretação da Bíblia? Se considerarem a Bíblia como sendo infalível, inerrante, e a autoridade final em assuntos religiosos, na maioria dos casos eles serão ortodoxos. Se não, eles normalmente serão heréticos. Note, porém, que essas são apenas diretrizes gerais, já que há grupos heréticos que professam confiança completa na Bíblia e não aparentam ter nenhuma outra autoridade doutrinária.
(10) Aconselhe-se com ministérios de discernimento de boa reputação que honrem princípios bíblicos de discernimento. Nenhum ser humano ou organização (incluindo os ministérios de discernimento) é infalível. Entretanto, se você concorda que os princípios apresentados nesse livro são bíblicos, deve então buscar a opinião e o conselho de ministérios que baseiam seu trabalho nesses princípios. Lembre-se do que foi dito no capítulo anterior sobre ministérios para-eclesiásticos.
O desafio do Discernimento
Em conclusão, gostaria de lançar aqui um desafio àqueles que concordam que o discernimento doutrinário, como apresentado nesse livro, é realmente necessário. Contribua com seus esforços para a obra contínua do discernimento. Encoraje seus pastores e líderes a pregar e ensinar sobre o discernimento doutrinário. Contribua para o sustento financeiro de um ou mais ministérios bíblicos de discernimento, especialmente aqueles que atuam na sua área. Se tiver filhos, ensine-lhes a sã doutrina. Ore pelos pregadores e mestres ortodoxos do cristianismo e para que heresias e doutrinas aberrantes percam seu poder de atração. Todo cristão pode e deve estar contribuindo de alguma forma para o discernimento da sã doutrina pela Igreja.
Fonte: Manual Prático de Defesa da fé
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