MURMURAÇÃO E ANSIEDADE
Texto Básico: Filipenses 2.14-16
Introdução
Vivemos em uma sociedade que adora reclamar. Ironicamente, a
sociedade mais indulgente que o mundo conheceu até aqui é também a mais
descontente. Quanto mais as pessoas possuem, mais descontentes são para
lidar com o que têm – além disso, essas mesmas pessoas não acreditam no
sofrimento silencioso. Parece que estamos produzindo uma geração de
queixosos. Murmuração e descontentamento estão presentes em todos os
ambientes: em casa, na escola, no trabalho, nas relações sociais… mas o
que isso tem a ver com a vida cristã? E o que a Escritura tem a dizer
sobre isso?
I. Descontente na sociedade
Muitos jovens são caracterizados por uma atitude de insatisfação, têm
aversão à responsabilidade e constante mau humor – nada é do modo que
eles gostariam que fosse. O fato é que, em muitas famílias, a autoridade
é concedida à criança. Assim, o que temos é uma geração crescendo em um
ambiente onde a autoridade é atribuída a ela. Esse é o produto infeliz
dos pais centrados nos filhos.Crianças que crescem controlando o
ambiente familiar não desejam se tornar adultos, porque isso significa
que eles terão de moldarse. Elas não querem ter um emprego, porque
ninguém no trabalho vai dizer: “Como você gostaria que fosse a decoração
do seu escritório?; A que horas você gostaria de almoçar?”. Ao
contrário, no trabalho elas serão postas em uma linha de montagem ou
outro lugar similar onde se espera que se adaptem às regras da empresa.
Não é de admirar essa geração que não quer crescer nem deixar o lar.
Muitos jovens se sentem assim porque estão protelando o momento de arcar
com responsabilidades. A liberdade da sua infância parece bem mais
atraente do que ter de se adaptar a um sistema. Seus pais, embora
bem-intencionados, estão involuntariamente preparando homens e mulheres
irresponsáveis.
Quando a realidade os atingir, os que foram criados dessa forma
finalmente se verão forçados a arrumar um trabalho e, claro, vão
procurar por um que ofereça muito dinheiro por pouco trabalho.
O objetivo dessas “crianças crescidas” é financiar a si mesmas, de
modo que possam alimentar os próprios vícios. Eles tentam extrair o
máximo do mal necessário da vida adulta, para colecionar peças inúteis,
barcos, carros, viagens de férias, e qualquer outra coisa que reacenda a
chama da sua infância perdida. Porém, essa é uma busca sem valor,
“porque a vida de um homem não consiste na abundância dos bens que ele
possui”, disse Jesus (Lc 12.15). Esses “adultos infantilizados” se
sentem interiormente vazios e sabem que lhes falta algo. Por estarem
enfatizando o físico em detrimento do espírito, eles acham que não têm o
suficiente – e seja o que for que possuam nunca é o bastante para eles!
As queixas têm-se tornado cada vez mais fúteis. Pense no que leva as
pessoas a se queixarem, se tornarem ansiosas e até enfurecidas. Elas
querem as coisas do seu jeito e na hora! Telefonemas em horas
inconvenientes, chaves perdidas, filhotes de cachorro desaparecidos,
zíperes enguiçados, roupas apertadas, dietas fracassadas, afobação por
ser apressado ou interrompido – quantos ficam aflitos por causa dessas
“tragédias”, não é mesmo?
Perder uma promoção, um negócio importante ou outra coisa desejável,
não é justificativa ficar reclamando ou se sentir ansioso. As
preocupações são produtivas quando nos levam a agir de forma sensata,
mas são estéreis quando nos conduzem à ansiedade. Esteja ciente de que
as preocupações nos deixam mais propensos a seguir o caminho da
ansiedade e da aflição, mais ainda se forem acompanhadas de queixas.
É um pecado queixar-se contra Deus. “Quem és tu, ó homem, para
discutires com Deus?”, perguntou Paulo retoricamente (Rm 9.20a). Pode a
criatura indagar ao Criador: “Por que me fizeste assim?” (Rm 9.20b). A
queixa contra Deus é inoportuna e completamente inapropriada. Não se
engane pensando que apenas os piores blasfemos cometem esse pecado. Não é
contra Deus que estamos realmente nos queixando, quando reclamamos de
alguma situação? Afinal de contas, ele nos colocou onde estamos. A falta
de gratidão e de contentamento são, na realidade, ataques contra Deus.
Os queixosos exercem um efeito devastador sobre a igreja. Alguns são
apóstatas; Judas os qualifica como “… murmuradores (…) descontentes,
andando segundo as suas paixões” (Jd 16). Seu pecado é profano porque é
altamente contagioso. Encontramos provas abundantes disso no Antigo
Testamento. Examinemos essas coisas cuidadosamente para que possamos
proteger a nós mesmos e a nossas igrejas de descerem a um lamaçal de
queixas, descontentamento, ansiedade e miséria.
II. Descontentes no Antigo Testamento
Esta é a cena: os israelitas estão no deserto, a caminho da terra
prometida, após o miraculoso livramento de séculos de escravidão no
Egito. Deus lhes ordena que ocupem a terra. Josué, Calebe e dez outros
espiaram a terra ao redor e fizeram seu relato:
“Calebe fez calar o povo perante Moisés e disse: Eia! Subamos e
possuamos a terra, porque, certamente, prevaleceremos contra ela. Porém,
os homens que com ele tinham subido disseram: Não poderemos subir
contra aquele povo, porque é mais forte do que nós. E, diante dos filhos
de Israel, infamaram a terra que haviam espiado, dizendo: A terra pelo
meio da qual passamos a espiar é terra que devora os seus moradores; e
todo o povo que vimos nela são homens de grande estatura. (…) e éramos,
aos nossos próprios olhos, como gafanhotos e assim também o éramos aos
seus olhos. Levantou-se, pois, toda a congregação (…) murmuraram
contra Moisés e contra Arão; e (…) lhes disse: Tomara tivéssemos morrido
na terra do Egito ou mesmo neste deserto! E por que nos traz o Senhor a
esta terra, para cairmos à espada e para que nossas mulheres e nossas
crianças sejam por presa? Não nos seria melhor voltarmos para o Egito?
(…) Então, Moisés e Arão caíram sobre o seu rosto perante a congregação
dos filhos de Israel (…) E Josué (…) e Calebe (…) falaram a toda a
congregação dos filhos de Israel, dizendo: (…) não sejais rebeldes
contra o Senhor e não temais o povo dessa terra (…) retirou-se deles o
seu amparo; o Senhor é conosco (…) Apesar disso, toda a congregação disse que os apedrejassem (Nm 13.30–14.7,9-10, grifos do autor).
Aqueles dez espiões, aqueles profetas da destruição, puseram toda a
nação descontente por reclamarem do que Deus tinha ordenado que
fizessem. O que dizem as Escrituras sobre o que aconteceu a eles? “Os
homens que Moisés mandara a espiar a terra e que, voltando, fizeram
murmurar toda a congregação (…) esses mesmos homens que infamaram a
terra morreram de praga perante o Senhor” (Nm 14.36-37).
Dá para ter uma ideia do que Deus pensa a respeito dos murmuradores?
Eles espalharam um veneno pernicioso, que contaminou rapidamente outras
pessoas. Eles tiveram a capacidade de agitar todo o grupo, que já estava
tomado pelo pânico. Isso aconteceu muitas vezes na história de Israel.
Com frequência, o pobre Moisés teve de ouvir reclamações acerca de sua
liderança e do alimento que Deus provia a todo o povo. No Salmo 106,
conhecemos os murmúrios dos israelitas: “tentaram a Deus na solidão [do
deserto] (…) desprezaram a terra aprazível e não deram crédito à sua
palavra; antes, murmuraram em suas tendas (…) Então, lhes jurou, de mão
erguida, que os havia de arrasar no deserto; e também derribaria entre
as nações a sua descendência” (v. 14,24-27).
O Novo Testamento deixa claro que a igreja deve aprender com os erros
de Israel. Depois de enumerar as bênçãos incríveis desfrutadas por esse
povo das mãos de Deus, Paulo declarou: “Entretanto, Deus não se agradou
da maioria deles, razão por que ficaram prostrados no deserto. Ora,
estas coisas se tornaram exemplos para nós, a fim de que não cobicemos
as coisas más, como eles cobiçaram (…) nem murmureis, como alguns deles
murmuraram e foram destruídos” (1Co 10.5-6,10).
A murmuração é sintoma de um problema espiritual profundo – o
fracasso de confiar em Deus e submeter-se à sua vontade. Não se trata de
uma questão insignificante: “Aquele que não dá crédito a Deus o faz
mentiroso” (lJo 5.10). Eis um texto que melhor se enquadra: “Por que,
pois, se queixa o homem vivente? Queixe-se cada um dos seus próprios
pecados” (Lm 3.39). Deus perdoou nossos pecados e o único meio
apropriado de lhe dizer “obrigado” é sendo realmente agradecidos. Como
aprendemos anteriormente, um espírito de gratidão afugenta a ansiedade –
e também estorva as reclamações.
III. Contentamento como ordem
Temos agora base para compreender a ordem de Paulo em Filipenses
2.14: “Fazei tudo sem murmurações nem contendas”. O “tudo” refere-se ao
que Paulo havia dito antes: “… desenvolvei
a vossa salvação com temor e tremor; porque Deus é quem efetua em vós
tanto o querer como o realizar” (v. 12-13). Em outras palavras,
enquanto Deus está operando em sua vida, esteja certo de que você não
terá do que se queixar. A vida nem sempre nos supre com aquilo que
gostaríamos. Deus permite que sejamos provados para ajudar-nos a orar,
confiar e ser gratos por aquilo que temos. Ao longo de toda a Bíblia, há
mandamentos para que sejamos contentes:
• Lucas 3.14: “Contentai-vos com o vosso soldo”.
• 1Timóteo 6.6,8: “Grande fonte de lucro é a piedade com o
contentamento (…) Tendo sustento e com que nos vestir, estejamos
contentes”.
• Hebreus 13.5: “Seja a vossa vida sem avareza. Contentai-vos com as coisas que tendes”.
Os obstáculos para o contentamento são a queixa e a contestação. Em
Filipenses 2.14, a palavra grega traduzida por “murmurar” refere-se à
murmuração, uma expressão de descontentamento e resmungo em voz baixa, a
qual expressa uma atitude negativa de queixa. A palavra grega traduzida
por “contestação” é mais intelectual por natureza. Ela se refere a
questionamento e crítica. Isso ocorre quando uma lamúria emocional
transforma-se um debate com Deus (como aconteceu com Jó).
Começamos a discutir com Deus por que as coisas são da maneira como
são ou por que temos de fazer o que ele espera que façamos. Achamos
nossas concepções sobre emprego, casamento, igreja, lar e outras
situações melhores que as de Deus.
Paulo disse que há um meio melhor para viver: desenvolver nossa vida
cristã sem nos queixar. Essa é uma atitude mais em sintonia com a vida
como ela é. Estamos vivendo em um mundo degradado. O mundo e as pessoas à
nossa volta nem sempre são do modo que gostaríamos. Tiago advertiu:
“Irmãos, não vos queixeis uns dos outros, para não serdes julgados. Eis
que o juiz está às portas” (Tg 5.9).
IV. Razões por trás da ordem
Entretanto, seria um erro concluir que Deus está sempre pronto para
nos flagrar. Em sua Palavra ele não apenas diz que odeia a lamentação,
como também deixa claro o porquê. Ele deseja que aceitemos as razões em
nosso coração com o mesmo apreço que ele e entendamos que elas ocorrem
para nosso próprio bem.
A. Pare de reclamar por você
Paulo recomendou que não nos queixássemos, para nos tornarmos
“irrepreensíveis e sinceros, filhos de Deus inculpáveis” (Fp 2.15).
Quando paramos de lamentar, ficamos livres para ser tudo o que Deus
deseja que sejamos. “Sede (…) imitadores de Deus”, disse Paulo, “como
filhos amados” (Ef 5.1). Se você é filho de Deus, viva pela manifestação
do seu caráter.
B. Pare de reclamar pelos não cristãos
Paulo afirmou que refletimos a natureza de Deus para que nos tornemos
“irrepreensíveis e sinceros, filhos de Deus inculpáveis no meio de uma
geração pervertida e corrupta, na qual [resplandeceremos] como luzeiros
no mundo, preservando a palavra da vida” (Fp 2.15-16). A maneira como
vivemos exerce um efeito surpreendente não apenas em nós, como filhos de
Deus, mas também na maneira como influenciamos o mundo ao nosso redor.
Essa afirmação, a essência do apelo de Paulo, é direcionada ao nosso
propósito evangelístico. Uma simples definição do evangelho demonstra
que os filhos de Deus resplandecem como luzeiros neste mundo em trevas.
Fazer isso com eficácia envolve duas coisas: contentamento e caráter.
Tanto ao que dizemos como o que somos.
Se você é um cristão obediente e virtuoso, causará uma impressão
surpreendente em muitas pessoas. Elas sentirão sua luz e algumas até se
afastarão assustadas por ser realmente óbvio que você tem algo que elas
não possuem. Outros serão atraídos por sua luz porque anseiam ser
pessoas melhores do que são. O destino deles está intimamente ligado ao
modo como vivemos nossa vida.
A qualidade da sua vida é o termômetro do seu testemunho pessoal. Um
cristão murmurador, descontente, resmungão, mal-humorado e queixoso
nunca terá uma influência positiva sobre os outros. É incongruente falar
sobre o evangelho do perdão, da alegria, da paz e do conforto e, ao
mesmo tempo ficar se lamentando e se queixando. Dê às pessoas mais
crédito do que isto: elas não vão acreditar no evangelho até verem você
comprovar a sua verdade. “Mostre-me a sua vida redimida e eu me disporei
a crer em seu Redentor”é um desafio válido para qualquer não cristão
fazer.
Pare de murmurar, diz Paulo. Parem de argumentar com Deus. Obedeçam
ao Senhor com alegria. Brilhando como luz do mundo, você descobrirá uma
recepção imediata, porque uma vida transformada é a maior propaganda do
evangelho. Um espírito negativo, mal-humorado e murmurador é o pior
testemunho que pode haver.
Esforce-se, hoje, para viver sem reclamações. Anote toda vez que
fizer isso. Você pode se surpreender ao descobrir que essa postura
tornou-se um modo de vida. Além de ser altamente contagioso aos outros,
um espírito murmurador tem um efeito anestésico sobre aquele que o
possui. A murmuração se torna tão frequente que muitas pessoas ficam
contaminadas e sequer percebem que essa é sua característica
predominante.
Faça uma lista de suas reclamações e será bem-sucedido ao atacar a
ansiedade em sua fonte. Você afirmará que Deus sabe o que está fazendo
em sua vida. Ouvir suas próprias queixas é escutar-se dizendo o
contrário, e quanto mais o fizer, mais você acreditará nisso. Pela paz
da mente, pare agora.
Conclusão
O contentamento não está ligado à condição financeira de uma pessoa,
mas à sua postura diante da vida e da providência de Deus. Aquele que
sabe que sua vida está nas mãos de Deus, que descansa na providência de
Deus, desfruta deleitosamente das bênçãos que o Senhor lhe concede e
encontra contentamento em seu Senhor.
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